Eu queria ficar, é verdade, mas acho que não posso me demorar. A noite vai acabando e nossa paixão de vela se apaga novamente. Seu cheiro se confundiu com o sal da pedra preta que eu estive arremessando no mar, mas ainda baila na minha memória. Seu depois, ali no navio, encostada no meu peito - meio aqui, meio ali - tranquilizou a tempestade no meu coração, mas a ponte já desceu e o navio abraçou o cais. Preciso ir.
Há ao menos três mulheres me esperando na multidão, sem saber que estivemos nos deleitando da luz das estrelas e do balanço incontido da embarcação com nome de santo. Uma delas já me tem pra um bolero à luz de velas, enquanto outra me tem pela janela, com uma música tocada num violão de madeira de mogno. Preciso ir.
Admito que é desconfortável ficar sempre mais ou menos com você, mas esse prazer de quente e frio me viciou ao longo desses anos. Só que há sempre uma tentação maior. Dançamos como se não houvesse amanhã e você se entregou, por ontem. Apenas. E acabou. Agora, eu preciso ir de verdade. Há muito me esperando e fico triste, por você, espero que não se apaixone quando outra mulher me tiver na sua cama. Preciso ir.
Naquele palco me pediste um discurso, eu subi com uma taça de champanhe, afoguei a língua com álcool mas nada me saiu, senão palavras desconexas e engasgadas, tiradas com muito esforço. Minha serenata morreu na garganta e estourei as cordas do violão, que mágoa. Desencontramos. Eu te tirei do sofá e me deste um abraço sonolento, quase te coloquei nos braços mas seu orgulho não deixou. Te coloquei pra dormir já formulando meus versos. Preciso ir.
Me conheces o suficiente pra saber que a escrita é a minha melhor maneira de expressão. E é a única quando teu olhar dispara meu coração e amarra os nós do meu cérebro mais apertados do que eu posso desatar. Então escrevo, pois devo. Preciso ir.
Não posso te dar riqueza, não. Nem sei como reagiria se te desse flores, ai de mim. Mas te presenteio com meus versos mais simples, tão cheios de significado que não sobrou espaço pra rima. E olha que eu pensei que tu pudesse ser minha rima perfeita. A mão colada a minha, numa mesma oração. Preciso ir.
Essa carta poderia ser uma declaração, mas sabes... Tenho cicatrizes de amor, já. Odeio que me recusem algo. Como todo bom bobo, medroso. Como todo bom jovem, inseguro. Talvez eu possa me arrepender, mas haverá uma mulher para me consolar. Preciso ir.
Meu bem, meu bem. Eu te queria. Ainda quero. Mas não posso ficar. Acabou a noite, acabou o dia. E essa madrugada estou partindo. Olharei para trás, não duvido, mas já não será mais para procurar o seu sorriso. Preciso ir.
Adeus, amor.
Adeus, Meu Bem.