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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

As cebolas de natal.

Limpa a bandeja.

Corta a cebola. Corta o dedo. O vermelho pinta a pia. Pinga. Chora. Dor que abre a epiderme, queima a carne sob ela.

Corta a cebola. Corta laços. O jantar está quase pronto mas as cadeiras estão vazias. Senta. Chora. Dor que abre um vazio lá dentro.

Corta a cebola. Corta. Reparte. Dor que fatia e arrasta garganta acima o coração. Descem as lágrimas.

Cozidas elas não ardem em ninguém. Exatamente como as paixões que já passaram pelos beijos e abraços e amassos.

Ela acende as velas, lambe o dedo, põe o prato.  Come sozinha.

Está tudo bem agora.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Uma caixa de exageros de amor.


Pobre coitado.

O vi parado com a mão no bolso, apertando o maxilar enquanto reunia coragem. Ela não sabia que ele trouxera todos os exageros do amor dentro de uma pequena caixa de camurça azul-marinho. Ela sorriu pra ele. Estava feliz em vê-lo. Abraçou-o, beijou seu rosto, deixou seu perfume por toda a roupa dele.

Ele a apertou contra si, como quem sabe que o mundo vai acabar no próximo minuto. E os sessenta segundos correram como só os segundos sabem correr. O abraço acabou. Ele a olhou nos olhos com toda a profundidade que lhe era digna. Dignou-se a sorrir seu melhor sorriso. Desviaram os olhos. O minuto acabara.

Ela virou-se, abraçou o outro. Tocou-lhe o rosto. E o jovem desabou por dentro. Ela não via, talvez nem ele visse, mas eu sabia. Ela entrelaçou os dedos com o outro, deu-lhe um beijo. Não no rosto. Ela acenou um adeus com o sorriso maravilhoso que tinha. Viraram a esquina.

Ele baixou os ombros. Tirou a caixa de camurça azul-marinho. Encarou-a inexpressivo. Era a hipérbole criminosa da liberdade talhando-lhe o amor outra vez. Sorriu de lado para a esquina vazia. Jogou a caixa de camurça no lixo. Virou as costas.

Pobre coitado.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Braile.

Entramos tateando no escuro. Estava cego e rimos juntos. Canelas e dedos mínimos nos guiaram entre os móveis. Estávamos embriagados. E rimos.

Enxergava com os dedos os seus cabelos, e seu rosto e seus lábios. Então com a boca.

O silêncio esticado como as cordas de um instrumento, vibrando e soando com o estalar de beijos rápidos. Não sabia mais onde estávamos.

Minhas mãos corriam de um lado a outro por entre as trevas e das trevas eu não saia. Entrei por sua saia. Havia cadeiras, mesa, geladeira. O frio e o calor eram um só.

Estávamos na cozinha e, embora escuro, o fogo estava aceso.

Aceso em nós e ofegantes.
Passo, passo, passo. Pés, dedos e coxas.
Ela está sobre a mesa. E treme.

Sofá, tapete e chão são um só.
Rolamos pela casa como animais.
Todos os sinais são músculos e dedos entrelaçados.

Somos um conto de paixão escrito em braile.

Batuques de Mossoró


                                


    Ela me tirou pra dançar. Morena, com um jeito baiano.. Daquele tipo que tem cachos perfeitos e pretos como carvão. Daquele tipo de mulher que exala sensualidade, com um sorriso branco e lábios grossos de África. Daquele tipo que me põe de joelhos com um rebolado espanhol.

   Ela me tirou pra dançar e eu me senti pequeno. Como um menino de rua que se perde no olhar de uma modelo de outdoor. Se a paixão tem um cheiro, ela o usava de perfume. Entre o pardo e o teca, a pele dela brilhava sob a luz daquelas lâmpadas à candieiro.

 Que lambada era aquela? Me escapa à memória.
   Que ardor era aquele? Meu coração bateu tão forte, tão rápido.

    Ela me olhava nos olhos como se fôssemos protagonistas de um romance. Como se já estivéssemos à baila de uma cama. Duas pérolas negras. Ela me olhava com uma paixão tão quente que me punha a salivar. E eu sabia que era um segredo de nós dois. O resto do mundo não conseguia ver que nós já estávamos ardendo.

   Naqueles curtos segundos ou minutos ou horas, eu só punha minhas mãos em sua cintura e sentia o movimento de seu quadril, ouvia sua risada entre lábios, sentia o esvoaçar do seu vestido. Meu coração batia na garganta, enquanto ela sinuava em minha frente, entre minhas mãos, em minha volta. Ela estava em todo lugar. Sua respiração por vezes se confundia com a minha e mesmo sendo um leigo, me senti um artista. Durou pouco, mas durou um infinito. O suficiente pra deixar uma marca em algum lugar profundo. O suficiente para minha garganta se fechar enquanto eu lembro. E me arrepio e suspiro.

   Talvez eu volte àquela dança. Talvez eu volte àquela Rosa.
  
   Seu rosto não vai desaparecer da minha lembrança. E que rosto. E que corpo. E que dança. Deus, que mulher!

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Me avise quando for embora.

Minha mais cara amiga...

Estou tão alcoolizado neste momento que nem confio nas minhas palavras escritas agora. Olhe só que elas são quase sempre minhas confidentes. Ouço Cazuza, e ele me define: " exagerado, sou mesmo exagerado. Amor da minha vida, daqui até a eternidade. [...] por você largo tudo [...] até as coisas mais banais, pra mim é tudo ou nunca mais".

Eu sei que você sabe que eu exagero mesmo ao dizer que "nunca mais". Sempre sou o que precisar ser pra ter um espacinho pra você. "Me avise quando for a hora", você realmente balança o meu amor. Tuas caras são tão engraçadas. Pode ouvir e seguir tua estrela. Me avise quando for a hora.
Inovo agora. Pode ser que seja tarde e tenho medo que "nós na batida, matando a sede na saliva" nunca venha a acontecer. Menina, teu corpo inteiro é um furacão. Tua mente, teu corpo. Não, não, não.
Soubestes que estive todo prata, todo ouro. Todo inteiro e teu. Todas as minhas ilusões e sonhos. Tudo teu. Sem rock and roll. Sem analista. Não quisestes. E o garoto que queria mudar o mundo... Frequenta as farsas e as festas do Grand Monde.
Não tenho mais nem mesmo uma ideologia. Sei que poderia ter dado tudo de mim. Sei que adoro me apaixonar. Cazuza me disse que era exagerado, exagerei, e estou aqui. E é só. Não sei o que te prender, tive um sonho ruim e não quero te perder.
Será que você ainda pensa em mim?

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Periferia



Estou na periferia do seu amor.

Me vês ao longe, subindo morros, traçando rotas no subúrbio das paixões insólitas do teu coração.

Queria-te. Amaria-te. Te amaria no futuro do pretérito, pois nossas chances padecem de um eterno retorno ao passado. E vão passando. Talvez uma, talvez uma dúzia de oportunidades que eu pensei ter aproveitado e perdi.

Se tudo passa, talvez você passe por aqui. Outra vez. Mas vocês já estão tão passados, como roupas lavadas que já não vão para o varal. O meu varal de poesias estava vazio. Cria que minhas cicatrizes já nem tão nuas haviam esquecido de você. Cria que todas haviam sarado. Ledo engano... Você, Leda e Calisto, trouxe meus relâmpagos ao chão, não sou Zeus, nem Plutão. Sou apenas mais um Páris apaixonado pela Helena errada. Mais que Afrodite, você cruzou cada um dos meus versos numa rede para me aprisionar. Assim, estive todo em você, mas você não estava em mim.

Fomos um cervo de luz prateada, um feitiço certeiro, palavras incertas que me dobraram, me enfeitiçaram, me negaram a primeira fatia do bolo. E não gosto de segundos lugares, sou todo ouro e tequila: uma verborragia de paixões moribundas, desejos incontroláveis e amores (i)mortais.

Apesar de tudo, cresço como erva daninha. Torno a retornar para suas torneadas pernas, envolvo seu pequeno corpo e perco-me no perfume dos seus cabelos. Mente, verdade, imaginação. Truques de mágica e prestidigitação de textos digitais: palavras, poesia, portas através de espelhos onde você, Alice, e eu, Narciso, somos nada mais que um eco de amor a soar. E ressoar.

Um sonoro gemido de prazer.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Sobre violões e beijos.



   Sinto falta das cordas e da curva fria em que punha o rosto, pensando na vida. Aquelas curvas me conheciam bem até demais.

   Encontrei algumas curvas novas. Curvas quentes, estas. Para deixar os dedos percorrerem e arrepiarem... A pele.

   Um corpo de violão, para tocar e fazer soar. Soar acordes de um acordar noturno. O belo som que só dois corpos conseguem fazer. Uma música que sai suspirando pela boca.

   Um instrumento de carne para tocar com os lábios e que se derrete. Néctar para beija-flor. E é de beijos que preciso.

   Longos, apaixonados e confusos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Ana Maria

    Ana Maria, tua liberdade me encanta. Sei que não és nenhuma santa e isso me atrai ainda mais. Minha devassidão de pensamento curva-se à tua vontade, como o súdito ajoelha diante da majestade. Então ouço - pois - e obedeço: Se assim me ordenar, enlouqueço, apenas para te agradar.

   Não sou bicho domesticado. Dona não posso ter, mas sirvo-lhe como o vento que passa leve, para suspirar e dar prazer. Mesmo que não me segure, nada para o fluxo do rio, pois do fogo sou calor e do gelo sou o frio. Vou-me tão certo quanto o sol poente, inevitável e calmamente. Volto quando quiser, mas em uma noite qualquer basta chamar meu nome e te obedeço, Ana Maria.

    Saiba que gosto do meu reflexo, tanto ou mais quanto do teu sexo. Não entenda como repulsa, muito pelo contrário, gosto dos talhos que ficam em mim quando uma mulher me ama. Seja Maria ou seja Ana.

Por uma noite

Me leve pra jantar, mas sem velas. Que de luz haja apenas a que o céu permitir brilhar. E se permita. E ame.

Me ame como se o mundo fosse acabar esta noite e, nesta noite, deixe o amor acabar. Deixe-o consumir. Vamos viver esse agora como a noite que sofre com a certeza da finitude. Que o sol seja um outro começo. Esqueça esse amanhã. Quando a manhã chegar, não sabemos quem seremos nós. E mesmo que tenhamos de ficar sós, estaremos eternizados na lembrança.

Que um fim o bastante seja tudo em cada dia. Que o para sempre seja um infinito de algumas horas. Assim tudo que importa é o agora.

E com isso dito, agora amamos.

Porto

    Altos e baixos da vida. Alto mar. A complicação de cada personalidade em choque deixa-nos todos prestes a rachar. Estarrecido, demonstro meu desapontamento quando alguém traz para casa as tempestades da vida lá fora. Mas não tema. Se estás perdida nessa tempestuosa revolução de atitudes, prestes a deixar tudo passar, grito para ti: "Alto lá!"

   Desembarque em mim, meu bem. Nessa turbulência da vida cotidiana, sou um porto pacífico de simplicidade.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Anestesia



Deixe em paz minha angústia
Respeite o meu epitáfio
Já que minha esperança pífia
Não criou-te nenhum laço

Despertas o melhor de mim
Mas deixa-me perecer sozinho
Melhor que seja assim
E cada um siga seu caminho

Peço-te que seja feliz com ele
Não olhe para trás nenhum momento
E ouse me convidar para o casamento

Pois essa dor agora já entorpeceu.
Mesmo que eu fosse mais feliz em sua presença
Agora já sei conviver bem com sua ausência.