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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

E.

A madrugada vai acabando.
E eu vou lendo
E escrevendo
E afundando em nostalgia
E os dias que eu queria reviver
E as noites que eu queria esquecer
E as palavras que eu queria dizer
Me assombram.

O dia vai raiando
E a luz vai entrando
E a cadela grávida resmunga
E todos dormem. Todos dormem.
E a memória acorda
E eu queria mesmo estar dormindo
E o sono foge. Será que foge?
Ou sou eu fugindo dele?

Fugindo de todos os meus sonhos
E dos cobertores frios
E destes malditos mosquitos
E do escuro do quarto
E do ventilador sussurrando
E da minha cama dura
E da solidão compartilhada
Fugindo do medo de acordar.

De acordar sozinho
E perceber que eu sou um velho meio surdo
E meio cego, quase mudo
E perceber que sou um canceriano sem lar
E que tenho câncer e artrite
E não tenho filhos, nem netos, nem nada
E que posso não viver até amanhã
E eu não posso levantar dessa cama
Que eu já estou morto

E nem vivi.