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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Respiração.

   Meus escritos vinham da confusão, das tentativas frustradas em discernir o que era bom e o que era certo. Das escolhas erradas. Provavelmente nascidas do tempo em que tinha menos para viver e mais para pensar.
   Tenho muito sobre o que escrever agora. Muito a dizer sobre plenitude, harmonia e felicidade. Mas estou ocupado demais vivenciando esses sentimentos.
   Cheguei, no entanto, a uma conclusão: não há nada melhor como amar alguém de um modo tão fácil e fluído que é como respirar.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Pecadilho.

   Com o coração parado em algum local entre o umbigo e a garganta, senti as mãos suarem e o ar esquecer como chegar aos meus pulmões. Um piano estava tocando em algum lugar, uma batida lenta... Me enlouquecendo.

   Eu não sabia para onde olhar.

   Num par de saltos altos, ela caminhou na minha direção com a determinação de uma caçadora. Vestida de preto, esbelta, perigosa. Olhos esfumaçados de maquiagem escura, um olhar dirigido ao cerne da minha alma. Lábios vermelhos como uma vampira sedenta. Quanta libido. Mesmo se eu quisesse, não poderia me mover.

   Ela dançou para mim. E cada movimento era como um chicote agudo estilhaçando minha sanidade. Curvas torneadas que só podem ter sido trabalho conjunto de Deus e do Diabo. Se o pecado tivesse a forma dela...

   Acho que eu também não viveria mais no Paraíso.




domingo, 21 de junho de 2015

Opte pela honestidade.

   Não creiam que para manter a auto-estima e as boas energias em uma relação conjugal deve-se constantemente dizer ao outro que está maravilhoso todo o tempo, mesmo que seja necessário mentir.
Na verdade, é quase o inverso. Optar pela mentira "ingênua" para elevar a autoestima pode ser um mal. É assim que os casais acabam por negligenciar sua aparência física, se tornando pouco atraentes um para o outro no processo.

   Na minha opinião, você deve apenas optar pela honestidade. Ser sincero com o outro em todos os aspectos de seu relacionamento. Afinal, se você não diz a verdade ou não expressa suas opiniões com medo da reação de seu parceiro, alguma coisa está muito errada.

   Eu preferiria ter minha esposa, num potencial futuro, me dizendo que eu deveria perder alguns quilos do que perder o seu interesse por ela não me achar mais atraente.

   E o pensamento funciona ao contrário também, é claro. Não quero deixar minha libido apagar por não me sentir mais atraído pela pessoa que escolhi ter ao meu lado.

   Sejam honestos uns com os outros. É o melhor meio de fazer as coisas funcionarem.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Vencimento

   Paga-se a produção de memórias com datas, como se lhes fosse um esforço a existência, uma conquista sob pressão, da qual é necessária comemoração por atingir uma longevidade inesperada. Conta-se os dias até que se tornem meses, pois cada amanhecer é uma vitória; depois os dias tornam-se sem importância, contam-se os meses, pois a durabilidade procura outra medida; depois os meses são apenas meses, contam-se os anos, aniversariando a resistência como se fosse um milagre que resistisse ao tempo.

   Discordo destes termos.

   Colho os dias, vivendo-os um após o outro, incomodado e simultaneamente em paz com a certeza da finitude. Minha, de quem eu amo, do meu sentimento mais profundo, da Terra, do Universo... Tudo um dia há de perecer.

   A certeza deste fim me leva a aproveitar cada dia como o último, ou fazê-lo tanto quanto é possível para a minha nem tão hábil memória. Agraciar meus pais com presença e afeto, mesmo não sendo "seu dia"; abraçar os amigos apenas por serem amigos, não pela constatação de uma data para o abraço ou para o amigo; amar por ter amor a dar, não porque alguém disse que aquele dia é feito para exibi-lo.

   Sou contra o vencimento estipulado da vivência, contra o pagamento ansioso pela longevidade das coisas do coração. Que elas sejam naturais, estendendo-se dia após dia e sendo aí louvadas, que lhes sejam prestadas glórias pela mudança que fizeram, não por sua oficialidade e duração. Porque dar-lhes valor por sua duração é ato falho, tirando do amor o brilho de sua finitude.

   Nenhum amor é pra sempre. E o que há hoje, amanhã perece. E é no fim de um amor que deve nascer outro. E falo mesmo de outro amor pela mesma pessoa.

   Como uma fênix, o amor deve morrer e renascer das cinzas mil vezes no período de uma vida, para que dure até o fim, brilhando sempre com a luz de uma chama recém acesa.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Propósito.

   Reconheço-me, mas diferente. Não sei atrás de que porta estava escondida essa parte de mim.

   Não é apenas esse ardor que nunca se vai, ou essa paixão pulsando compulsivamente no meu peito. Nem mesmo essa necessidade insana de tê-la sempre comigo.
   Esse amor sábio, maduro, puro... Ele se propaga, prospera. Reproduz esse brilho diário e se metamorfoseia todas as noites.

   Seja lá que porta o guardava, ela a pôs abaixo com a gentileza cálida de seu carinho, com a firmeza de sua dedicação e a fúria de seu desejo.
   Me cativou. Com seu amor, com seu olhar, com sua vida. 
   Me deu propósito.

   Agora está presente mesmo na ausência.

   Vejo-me, na companhia familiar da madrugada, imaginando futuros, esperando um amanhã em que seu calor e seu abraço substituirão minha insônia. Vejo-me planejando casas, cães e filhos.

   Reconheço-me diferente...

   E gosto.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Desejo Fotografado

   Uma gota desce por seu corpo.
   Do seu corpo.
   Um filete de desejo líquido.
   Eternizado numa fotografia.

   Seu olhar congelado não é nada gélido. É um brilho intenso que a derrete. Um modo discreto de incitar prazeres insanos. Um modo selvagem de simplificar prazeres complexos. Memórias e ideias sem nexo, sem controle, sem fim. Enfim pervertidas em marcas de fúria na pele, a fúria que só a luxúria produz; aquelas marcas de doloroso prazer, gravadas a pedir por mais.
   Seus lábios vertem som, num tom de silêncio e gemido que é quase um pecado musical. E perdão. Afinal, não há como algo tão bom ser completamente mal. Pois vêm dos mesmos lábios que pervertem paixão em fumaça, álcool e saliva. Tornando viva a cor escarlate escondida sob a cor da pele. Mostram brancos os dentes que mordem à roxidão a carne macia do corpo. E sofro pela sedenta abstinência, amargando na ausência o doce gosto de quem espera por mais. Muito mais. 

terça-feira, 3 de março de 2015

Luz na penumbra.

Brilha pra mim.

E tem brilhado mais e mais, mas nem mesmo sei como ou porquê. E aconteceu sem que eu imaginasse, embora não estivesse em fuga. Nem tive pressa, não tenho, senão a de - na sede ao pote - arrancar-lhe as roupas.

Essa sensação está comigo, como uma semente cultivada em algum lugar atrás das minhas córneas. Ou perdida em algum lugar sob o meu estômago. Não. Está espalhada no meu corpo, como se tivesse entrado pelos meus poros, se escondido nas minhas artérias, nos meus órgãos.

Ela dança na batida do meu coração, se alimenta do oxigênio nos meus pulmões, mexe com meu cérebro. O fato é que no fim, ela vem para cima, para os olhos. Vaza pelas pupilas, como se o silêncio dissesse tudo. Sei que entende meus silêncios. Ainda que não entenda minhas risadas. É que elas fazem parte de mim e não as sei controlar.

Quero ver o sol refletindo em você. Sob essa luz ou na penumbra mais quente, há algo em mim transbordando pelos olhos. Um tipo de fome que não dá pra saciar, o desejo de ver minha estrela orbitar e brilhar no céu da sua boca. E se cada beijo é um segredo incompreensível que não se conta aos ouvidos, mas à boca, só tente entender...

É que a vontade de te ver já maior que tudo.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Pormenores.

    Piscou para mim. Com a lentidão de um pôr do sol. Fitar a negritude da pintura de seus olhos foi como ver a bela, fria e densa escuridão que precedeu a existência de tudo. E o abrir das pálpebras, uma exuberante alvorada castanha. 
    
   Seu semblante gótico convergiu nos olhos como um beijo vampírico, bebeu-me, tragou-me. Perdi-me. Não pude lidar com essa metódica cirurgia visual senão entregando-me ao seu toque delicadamente cálido como quem se deixa abrir pelo bisturi médico. Uma seta dourada e mítica, erótica.
   
   A nossa despretensiosa valsa, outrora efêmera, alonga-se por uma lua inteira e torna-se cada vez mais concreta, dentro desse quarteto tão certa e casualmente formado. Não tenho receio, embora não tenha anseios quaisquer para esse amanhã que pode nunca chegar.

   Assim, tão leve, parece trazer consigo o poder do bater das asas de uma borboleta, movendo furacões do outro lado do mundo. Assim, sem pressa, sem pressão, tem crescido como uma árvore regada a arco-íris e não sei até onde esse pé de feijão está decidido a crescer.

   Mas lascivo como mostra-se nos discos pintados em quadro branco e risonho como copos de onomatopeias virados à dose, ouso crer que pode haver gigantes lá em cima. Não aterradores ou vivos, nem mesmo literais, mas reais o suficiente para prover histórias de ninar, quiçá histórias de amor.

   São destas histórias que eu me alimento e essa aqui tem um sabor que não canso de provar.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Destino.

   Agora.

   Uma síndrome de certeza absoluta investindo contra portas destrancadas.

   E paz.

   Harmonia natural, do vento nas árvores e das nuvens no céu, dos carros em suas quintas marchas.

   Tudo está em seu devido lugar.

   Cada esquina e cada tropeço de cada um de nós. Os dias bons e os dias ruins e os ótimos dias todos parecem pálidos quando comparados ao presente. É um presente. Será que sentem essa benção como eu?
   A sincronia de ritmos cardíacos. A sintonia de futuros possíveis. Possíveis futuros sobre os quais é perigoso pensar. E mesmo que não tenha sentido, estou sentindo que estou onde deveria estar.

    Parece que vim guiado pelo destino e permito-me viver, ficar e deixar tudo como está.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

E.

A madrugada vai acabando.
E eu vou lendo
E escrevendo
E afundando em nostalgia
E os dias que eu queria reviver
E as noites que eu queria esquecer
E as palavras que eu queria dizer
Me assombram.

O dia vai raiando
E a luz vai entrando
E a cadela grávida resmunga
E todos dormem. Todos dormem.
E a memória acorda
E eu queria mesmo estar dormindo
E o sono foge. Será que foge?
Ou sou eu fugindo dele?

Fugindo de todos os meus sonhos
E dos cobertores frios
E destes malditos mosquitos
E do escuro do quarto
E do ventilador sussurrando
E da minha cama dura
E da solidão compartilhada
Fugindo do medo de acordar.

De acordar sozinho
E perceber que eu sou um velho meio surdo
E meio cego, quase mudo
E perceber que sou um canceriano sem lar
E que tenho câncer e artrite
E não tenho filhos, nem netos, nem nada
E que posso não viver até amanhã
E eu não posso levantar dessa cama
Que eu já estou morto

E nem vivi.