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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A Prática do Zen


   "Vai começar a viadagem.", foi a primeira coisa que pensei. Sem quaisquer relações diretas ou indiretas com predileções ou orientações sexuais. É só que aqui no nordeste isso é uma expressão para estupidez, idiotice, falta de compromisso, frescura e quaisquer outras situações interpessoalmente desagradáveis e desconfortáveis para as quais uma dúzia de conceitos não são suficientes para expressar a frustração.

   Ela abriu a boca e cada palavra me desceu como um sapo, uma gia, uma rã verde escura e gosmenta pela garganta. Aquela sensação de ouvir sermão de professora de sexta série que finge não ver quando o filho te acerta com bolinhas de papel.

   Respirei fundo. Contei do um ao dez e de volta. Três, dois, um. Tentando convencer mentalmente o Universo de que minha contagem regressiva terminava com a implosão daquela desprezível criatura sentada à minha frente.

   Não funcionou.

   Balancei a cabeça afirmativamente quando ela parou para tomar fôlego. Também não funcionou. ela voltou a falar, embora eu só ouvisse um interminável coaxar inconsistente e incompreensível.

   "Isso tem que acabar uma hora", refleti, observando os lábios flácidos praticarem uma espécie de polichinelo subaquático enquanto formavam palavras complicadas, pontuadas de abreviaturas e frases de Augusto Cury ou chamarizes de líder escoteiro.

   Me repreendi por fazer uma cara de tédio. Bom que ela não chegou a perceber. Voltei a divagar sobre outro conto que estava escrevendo, enquanto minha rádio mental tratava de sintonizar numa música animada de rock clássico, talvez na tentativa de amenizar meu crescente instinto suicida/homicida com quê de Duas Caras.

    - Hummm. - Murmurei, sem prestar nenhuma atenção à interlocutora.

    "Eu devo ser o novo Buda. Talvez deva mudar meu nome para Gandhi ou algo assim.", pensei, me aprumando na cadeira.

    Uma gota de saliva acertou meu rosto como um míssil balístico lançado por aquela boca nojenta e contorci o rosto com desgosto.

   "Espero que o Nirvana valha a pena."

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Brazuca

 

Entrou na grande área. Bola no pé. O coração batendo junto com o pomo de Adão como um bloco de carnaval. Olho no olho do goleiro, dois zagueiros se chegando para cortar o ataque.

   Entrou no camburão, empurrado com violência. Canhão na cabeça. O coração caído no fundo do corpo junto do estômago, como animais encolhidos. Olho no chão, as lágrimas descendo pela face.

   Driblou o primeiro zagueiro, tirando um urro indignado do outro garoto. Nem tropeçou quando o segundo garoto tentou dar-lhe um carrinho. Tão perto, tão perto. O goleiro retesou os músculos, preparando-se para defender aquele portão branco.

   Esquivou das latas de lixo, ouvindo os sussurros dos homens atrás de si. Tropeçou nos paralelepípedos ao ser empurrado contra a parede. Tão perto, tão perto. O homem ergueu a arma, preparando-se para dar o tiro. 

   - A multidão se levanta, a tensão é grande! - A voz do narrador se ergueu junto com os torcedores do estádio. - Ele driblou os zagueiros, só resta o goleiro.

   - Te ajoelha, moleque. Tas fudido. - A voz do carrasco lhe acertou junto da coronha, jogando-o no chão. - Chora não, viado. Morre que nem homem!

   Parou subitamente. O goleiro se atirou, jurando que a bola lhe vinha. Chutou, mandando direto pra rede.

   Engoliu o choro. O executor atirou, jurando que ele era bandido. Morreu, caindo direto pra vala.

  - É gooooooool! - Gritou o narrador no autofalante, sua voz se perdendo na voz da multidão.

  - Vamo embora. - Sussurrou o atirador pro companheiro, sua voz se destacando no silêncio do beco.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Sessão da Tarde

   Chegou em casa já enxugando o suor da testa. Largou a bolsa no canto da sala e sentou no chão com sua sacolinha branca. Levantou novamente alguns minutos depois, tendo tomado coragem para buscar um prato. Voltou a passo pequeno, ligou a tv e sentou novamente, pondo o prato à frente e o controle remoto ao lado.

   "Ninguém merece andar tanto nesse sol." pensou, tirando o conteúdo da sacola. "Ao menos passei na banquinha pra comprar comida."

    Colocou o pastel de frango no prato, junto dos três guardanapos que estavam no saco de papel. Abriu a guarina com certo esforço e após um momento de crise existencial, desistiu de levantar para buscar um copo e resolveu beber na garrafa.

    Apertou três vezes o botão do controle, mudando de canal, aprumando-se para começar o banquete. Um longo gole trouxe o sabor doce e a sensação gelada da guarina tocando a língua e pinicando nas bochechas, descendo como um elixir pela garganta.

   "Aaaahhh!" pensou, com um sorriso infantil no rosto. "Que delicia."

   Deu duas mordidas no pastel antes de voltar os olhos para a televisão. Passava um filme daqueles que você já viu três ou quatro vezes, mas não se recorda quando foi a última. Já deve estar no segundo ou terceiro bloco e logo vai começar outra vez os comerciais, mas você decide assistir ainda assim.

   As vozes dubladas estragariam o filme, não fosse ele tão antigo e com um valor nostálgico tão grande. Com aquele sabor doce de guarina, o salgado temperado, o sol das quatro, a brisa pela janela. Voltara à quarta série. Voltara à infância.

   Um encanto conduzido por um filme repetido na sessão da tarde.

Overdose de Escrita


   Tocou uma vez. E duas. E três. O telefone vibrava sobre a mesa, iluminando o quarto com uma luz fantasmagórica. O garoto estendeu a mão, com os olhos semiabertos, tomou o celular na mão e tentou ver quem o ligava, ofuscado.

   "Duas e cinquenta e quatro da manhã", pensou ele, olhando o visor e deslizando o dedo na tela para atender.

   - Boa noite. - Disse a voz do outro lado da linha. - Desculpa ligar essa hora.

   - São três da manhã. - Falou ele, carrancudo e sonolento.

   - Eu sei que são três da manhã, seu bobo.  Mas sabe que quando eu tenho algo pra te falar, não posso esperar, né?

   - Você podia esperar até amanhã, droga.

   - Não, não. Você sabe que não. Agora levanta.

  - Qual é? Sério?

  - Claro que é sério, alguma vez te liguei a essa hora sem ser sério?

  - Posso dizer ao menos uma dúzia de vezes.

   - Águas passadas. Enfim, levanta-te.

   O garoto se esgueirou da cama como quem sai nu ao frio, amaldiçoando-a mentalmente. Cambaleou até perto da porta, fechou os olhos e acendeu a luz. Aparentemente o sol havia chegado mais cedo, na forma de uma lâmpada fluorescente de 440W e invadiu o quarto, rajando tudo de branco.

   - Eu te odeio. - Ele resmungou.

  - Não, você me ama.

   - Tá. Eu te amo... Mas te odeio tanto quanto.

   - Não importa. Está acordado?

   - Agora estou. E maldita é você, com certeza não conseguirei mais dormir.

  - Esse é o objetivo. Agora comece a escrever. - Satisfeita, a consciência do garoto desligou o telefone, deixando que outra parcela de sua mente entrasse em convulsão.

   Sentou na escrivaninha, tirou o caderno da gaveta inferior, escolheu uma caneta preta entre as quatro que estavam misturadas à bagunça de fios na gaveta superior e começou a escrever. E começou.

   A madrugada se arrastou e o sol já se esgueirava sobre a linha do horizonte. O garoto sangrou tinta por horas e horas e horas. A criatividade noturna jorrou até nada restar. Matou ideias, matou o sono, matou o tempo. Por fim caiu inconsciente sobre seu monstro Frankestein. Um texto de nove páginas e três quartos. Havia falecido um escritor. Ou melhor. Um escritor havia se matado ali naquela escrivaninha, para que uma história nascesse.
Afinal todos nós deixamos um pedaço fugir de nós em cada linha escrita.

   No jornal da tarde, a notícia abalava o meio poético. 

   "Morre mais uma vez o morador da casa nº345 da rua Dr. Paulo Neto... Outra vez a causa da morte é exaustão e overdose de escrita. Acredita-se que o escritor tenha cometido suicídio literário ao parir mais uma história. Parentes estão chocados e conhecidos parecem felizes ao frequentar o funeral do falecido no endereço naoapaguealuz.blogspot.com, junto do próprio escritor e de sua história recém nascida, com oito parágrafos e catorze linhas de diálogo."



A Última Dança


   Tocava uma daquelas músicas de baile. Aquelas que você nunca vai se lembrar no dia seguinte, mas que te faz sentir como se o mundo todo estivesse desabando e só restasse os dois, dançando sem saber direito, passinho, passinho, passinho. Devagar. Uma dança quase tímida. A dança da noite.

   Uma luz violeta dançava junto com um feixe de luz branca sobre eles, quase como se tentasse dizer que eles não eram os únicos naquele mundo de vidro que a qualquer momento ia rachar, com o DJ baixando o volume e baixando e baixando...

   As luzes foram se fundindo, tornando-se uma tênue iluminação azul, quase podiam sentir o calor do azul, enquanto os últimos jatos de gelo seco subiram como uma cortina. A escuridão foi se assentando. A luz diminuindo. A névoa dissipando.

   - E agora, acabou?

   - Sim. Hoje é minha última noite aqui. Meu avião parte amanhã pela manhã.

   - É só isso?

   - É tudo isso.

   A música parou. Continuaram dançando ao som do silêncio.

   - Você me escreverá?

   - Escreverei você, de você, para você. Até quando houver outro garoto que te leve pra dançar. Até que haja um garoto que te traga as flores que esqueci sobre o armário. E que ele esteja com você por tanto tempo e com tal intensidade, que você esqueça de me ler.

   - Mas..

   - Você sabe que isso vai acontecer. Não amanhã, nem semana que vem. Mas um dia. - Ela assentiu.

   - Uma última dança então?

  - Essa foi a última.

   Pararam de dançar. A música realmente havia parado. As pessoas saíam do salão. O DJ começava a desmontar o equipamento.

   - É adeus?

   - ...

   Abraçaram-se.

   - A escrita é meu maior vício e a maior parte de mim.

   - Hã?

   - Mesmo quando eu já tiver te esquecido, ela vai lembrar de você e eu vou recordar.

 
A Escrita é a droga mais forte que pode um dia envolver.

Salada Mista


   - Você está me embebedando. - Disse ela.

   - Eu não estou te dando bebida, foi você que encheu ambos os copos nas últimas três vezes. - Respondeu ele.

   - Mas esses drinks são muito bons... - Riu ela - Do que são?

   - Não percebeu? É uma piada... Você nunca entende minhas piadas. - Disse ele, franzindo o rosto, antes de dar uma gargalhada. - Desperdiço minhas melhores piadas assim.

   - Pára! Diz logo!

   - Pêra. - Ele apontou para a primeira jarra. - Uva.

   - Mas vai ficar faltando uma...

    - Maçã. - Ele apontou para a terceira e última jarra.

   - Sim... Acabou.

    - Salada mista. - Disse ele com um sorriso, levantando a mão lentamente e colocando o dedo indicador sobre o lábio inferior.

   Ela corou instantaneamente. O sangue subiu ao rosto junto com o álcool do sangue e ela ficou vermelha num segundo. Não que ela não o quisesse, mas esse tipo de coisa que ele falava... Era muito imprevisível. Ela riu baixo, terminando o copo, enquanto ele levantava para dar a volta na mesa.
    
    - Nunca brinquei de salada mista. - Confessou ela, enquanto ele se curvava. 

    - Eu te ensino. - Disse ele, pegando sua mão. - Pêra...

    Ele a levantou da cadeira, puxando-a pela mão e encostando-a contra si devagar. Que calor era aquele que tomava o corpo dela? O álcool devia ter algum dedo nisso.

    - Uva. - Continuou ele, escorregando as mãos por suas costas e segurando seu cabelo. Curvou sua face para o lado, tocando os lábios em sua bochecha. - Maçã.
    O coração dela disparou, já nem conseguia respirar. Piscava os olhos rapidamente, enquanto sentia o sangue pulsando nos ouvidos, na garganta, na língua... Em cada pedaço de pele que se encontrava com o corpo dele. Quando ele guiou o rosto dela de volta, já havia fechado os olhos.

   - Salada mista... - Sussurrou ele contra seus lábios.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Gelo e Geladeira


   Abre a geladeira. Fecha a geladeira. Não. Abre a geladeira.

   "O que eu estou fazendo?" pensa, agoniado. Não pega nada e fecha outra vez a geladeira. "Ela não respondeu. Fazem dois dias"

   Volta pra sala, senta chateado no sofá. Resiste por exatos seis minutos e meio, revirando um site e outro, comentando as fotos que já comentou só pra se distrair. Reabre o chat no facebook. Nada.

   "Ela deve estar viajando. Ou o computador quebrou. Ela deve estar sem internet. Cortaram a luz dela. É, deve ser isso. Ela parece meio distraída mesmo, deve ter esquecido de pagar a conta de energia." pensa ele, encarando a pergunta que ficara flutuando na internet. "É. Deve ter sido isso."

   Percebe que as borboletas voltaram pro estômago, mesmo sendo apenas algumas palavras na tela. Percebe que a barriga vazia não ajuda com aquele frio na barriga. Mas ele não consegue saber se o frio é de ansiedade ou se é do gelo que estava levando.

   "Não! Droga." pensa ele novamente. "Que gelo que nada. Ela só não viu a mensagem."

   Levanta do sofá e vai até a cozinha. Puxa uma cadeira, respirando fundo. Senta em frente à porta branca. Cinco minutos de silêncio. Dez minutos de tambores cardíacos. O corpo se acalma. Ele finalmente levanta e abre a geladeira, pega a garrafa de água, fecha a geladeira e volta para a cadeira.

   "Esqueci o copo." ele reflete, com medo de voltar a pensar desenfreadamente, sem sucesso. "Droga, droga, droga."

   Levanta novamente e vai até o armário, pega um copo, volta para cadeira. Enche até a borda. Segura o copo. Não bebe. Mais um minuto se passa lentamente.  Ele levanta o copo e toma um gole. A água gelada desce pela garganta e bate no estômago vazio. O chat solta um bipe. Ele congela.

   "Só ela está liberada no meu chat." pensa ele de súbito. As borboletas voltam com tudo. O frio na barriga se junta com o frio da água gelada, e ele congela na cadeira.

   Olha para a geladeira alva e respira fundo. Não dá. O coração vai a mil. Ele levanta e deixa garrafa e o copo d'água descongelando na mesa. Volta para a sala. Um "quando?" estampado na tela deixa ele lá, petrificado. Ou melhor, congelado.

   A água descongela, ele descongela e o gelo que ele achava estar levando... Descongela.

Paixão de Ônibus


   Forene/Trapiche. Estranhamente vazio. Familiarmente atrasado. Vinte e dois minutos atrasado para ser exato. O motorista acelerava como se o mundo estivesse acabando atrás dele, não que isso fosse de todo ruim.

   - Tá achando que vai carregando boi. - Falou uma senhora duas cadeiras a frente, alto o suficiente para todos os onze passageiros ouvirem.

   O sol da tarde entrava transversalmente pelas janelas de um dos lados da condução, dando todo um ar londrino àquela situação. Embora ambos soubessem que não era mais que uma brincadeira do acaso, uma pequena risada do destino.

   - Bom dia. - Disse ele ao motorista, soltando um sorriso despretensioso. 

   - Bom dia.

   Sorriu, cumprimentando a cobradora com um movimento da cabeça e estendo a carteira na direção do leitor de cartões. Passava da catraca com a bolsa nas costas quando trocaram olhares pela primeira vez. Os segundos mais longos da vida.

    Ela estava sentada numa das últimas cadeiras e o viu subir, olhando-o apenas com curiosidade, mas quando seus olhares se encontraram, o coração subiu à boca, como se também quisesse espiar por sua garganta. Ela fixou os olhos nele, examinando seu jeans escuro, a camisa amassada. Encarando-o enquanto ele andava através do corredor do ônibus. Uma curva repentina do motorista quase o jogou através da janela e ela soltou uma risada incontida.

   Involuntariamente tendo sido sentado numa cadeira e um tanto quanto constrangido, ele a ouviu rir e não pôde pensar em outra coisa senão em como a risada dela era bonita. Encontraram os olhos um do outro pela segunda vez. Ela tinha olhos castanhos, o cabelo parecia a moldura perfeita para o rosto arredondado. Ergueu-se novamente com um sorriso torto e voltou a caminhar. Ela virou o rosto para acompanhá-lo por um segundo. O coração acelerou.

   Ela o viu passar para a cadeira atrás dela. Não entendeu porque ele não sentara ao seu lado... Talvez achasse que ia assustá-la, afinal havia muitas cadeiras vazias. Olhou pela janela, tentando vê-lo com o canto do olho. Decepção. Seu ponto era o próximo. Ficou de pé, puxando a corda. Ouviu o apito agudo no momento em que virou para o fundo do ônibus.

   Ele ergueu os olhos no momento em que ela se levantou. Estava tomando coragem para se levantar e sentar do lado dela, perguntar seu nome. Tarde demais. Abriu e fechou a boca sem emitir som, enquanto ela o olhava novamente, seguindo para a escada.

   Ela fechou o sorriso, fazendo bico antes de perceber que estava sendo boba. Sorriu novamente quando ele balbuciou algo baixo demais.

   - Tchau. - Disse ela, passando por ele.

   Ele ainda chegou a se empertigar, aprumando-se no banco, enquanto mil frases passavam por sua cabeça, mas a eloquência pulara pela janela. Tudo que conseguiu foi gaguejar.

   - Tchau. - Ele falou.

   Ela desceu, olhando para o ônibus enquanto o motorista voltava a acelerar. Ele a encarou mais uma vez pela janela, acenando. Ela retribuiu o aceno antes que o ônibus partisse.

   Então a condução virou a esquina e a vida continuou a partir dali.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O Apanhador de Sonhos



   O sol caía por um janelão, limpo até onde ela conseguia alcançar, enchendo o quarto todo com uma luz branda de um dia nublado. Acordei com o formigamento de uma noite perfeita me arrepiando o corpo.

   Ela já havia levantado, deixando o lençol meio caído para fora da cama... Conseguia ouvi-la cantando alguma música baixa, seus pés nus tocando o chão.

   "Ela está dançando", pensei com um sorriso, voltando a deitar minha cabeça no travesseiro. "Tem o cheiro dela."

   E que cheiro bom ela tem. Levei tanto tempo para perceber. E tão pouco para conseguir me apaixonar.

   Foi a primeira vez que ela me trouxe aqui de verdade. Nas outras foi apenas uma curta visita. Fiz café, sentamos no chão do quarto dela. Que bela decoração ela tem - simples, é certo, mas bela. Peculiar. Esta é a palavra. Talvez ela esteja certa... Eu presto muita atenção nos detalhes. Essas peculiaridades me enlaçam.

   "O apanhador já faz parte do quarto", pensei ao vê-lo balançar com a brisa, preso por um fio de lã num pequeno prego. " Como se estivesse ali desde sempre."

   Voltei a fechar os olhos com um sorriso estúpido no rosto. Reabri as pálpebras, piscando, enquanto tentava recordar de toda a noite. Impossível. Pela primeira vez, não bebi nada, mas fiquei embriagado. O edredom dela virou uma espécie de templo. Não quero sair, temo acabar destruindo essa mágica, seja magia, seja truque.

   "Quem dorme de edredom em Maceió?", pensei com meus botões, ainda que minha camisa estivesse no chão. "Não importa. É mais uma peculiaridade. E eu adoro."

   O cheiro de café começou a subir. A vi passar de relance pela porta, vestida de pijama. Nunca vi ninguém tão sexy na vida. Deve ser algo com o cabelo curto. Coloquei as mãos sob a cabeça, refletindo em como a vida havia mudado tão repentinamente.

   "Somos os dois tão diferentes, mas tão parecidos. Em pensar que ela, sentimental assim, brotou essa parte de mim." cogitei, quando ela começou a me espiar.

   Ela sorriu devagar, com certa timidez, talvez sem saber o que eu faria. Mergulhei nos olhos dela como quem afunda devagar numa banheira de água quente. Já estava me perdendo ali, vagando no olhar dela, quando ela fechou o sorriso numa curvinha devassa e ajeitou os óculos. Meu sorriso surgiu igualmente.

   "Como pude demorar tanto?", me perguntei enquanto ela vinha na minha direção, subindo na cama e engatinhando para me dar um beijo. Olhei para o círculo trançado que balançava as penas coloridas na parede e sorri mais uma vez antes de trazê-la para junto de mim.

   "Apanhe este sonho, amigo. E guarde-o por mim"

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Homônima



O primeiro capítulo
Como o espelho que me revirou do avesso
Alcanças, agora, também a minha idade
E foi pouco tempo pra mostrar meu apreço
Para isso ainda resta a eternidade

     Acho que minha primeira memória de você remete a primeira vez que me convidaram pro "puxadinho"...  Vish! Coisa antiga hein? Vocês entrando, recém passados, calouros. Eu com um ano completo entre aqueles corredores - e ainda verde, diga-se de passagem. Uma coisa boa talvez... Não tive problemas em me aproximar e muita coisa a aprender. Sinto que cresci muito de lá pra cá e olha que na época já me achava maduro, que ingenuidade... Mas não vou me apressar, uma coisa de cada vez.
"Te levo comigo (8)" /Parou

O tempo passa rápido por nós
Ainda que os anos sejam compridos
De qualquer forma não estamos sós
Aqui, rodeados de amigos

    Muitas chuvas caíram nesse meio tempo... Muitas viagens de busão, pra lá, pra cá. Muitos aniversários, também. Vídeos, peças, textos, textos, textos... E pensar que o cefet (ta, IFAL), acabou. Para mim, primeiro que saí pro mundão, trocar tênis por sapato e vestir camisa social... Mas eu prometi que a amizade durava, eu ia levar comigo. (Sem referências a Restart)
     Bom... Acho que não preciso adicionar muito mais sobre isso. A própria existência desse post já é explicação o suficiente.

Mocidade, perspicácia e intenção.
Personalidades jovens convergindo,
Ainda que meio na contramão,
No fim estávamos apenas sorrindo.

    Anyway... sobrevivemos ambos ao tratamento de choque dado a todos os ifalianos... Algoritmos, Químicas Analíticas e S.O.s após... E eis que tu estás a cursar a mesma graduação que eu. (Haja fôlego) E ainda estamos por aqui. Agora são noites musicalizadas, doses de felicidade e cranberry (sem fanta) para manter o coração batendo no ritmo certo.
      Acrescentamos parceiros para se juntar a nós e preferir ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo... Alguns se afastaram, outros partiram, mas a vida continua e sempre haverá tempo para tentar outra vez.
      Por fim, o que eu realmente tenho a dizer é que eu perdi (mesmo) o meu medo da chuva. Por isso espero que sejamos, então, o início, o fim e o meio.

Porque nós somos infinitos. 

Feliz aniversário, Sam.


A cada dia, uma nova memória.
E mesmo que o essencial não possa se ver,
Estou realmente feliz por ter conhecido você.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Perfumes

   
 Guardo amores nas janelas, nos espelhos, nas palavras. Saudades sob a cama, junto dos textos inacabados. E, ai de mim, os corações partidos e os quebrados juntos de cada memória ruim... Todos sob o tapete.
    Mas os vasos de flores eu protejo com olhos bondosos e apaixonados. Ali ponho minhas poesias favoritas, junto com as cartas de amor e as poucas fotos impressas.
     Sei bem que a definição de fim é ser um adeus definitivo, mas cá entre nós... Que graça teria uma casa vazia ao trazer uma visita? Quem somos nós senão esses quartinhos de memórias?
     Alguns quartos dos fundos, abandonados... Amores falidos e tristes. Quartos de cima, para os amigos verem os fogos dos anos novos e anos velhos. Uma sala da lareira, para a família e o lar que sempre podemos voltar.
     Um quarto todo vermelho com muitas gavetas. Esse nem posso falar. Tudo o que ali está é para mim apenas. Um quarto a ser iluminado por velas.

     E que seja muito bem decorado. Com bocas, olhares e perfumes.
Procura-se um amor sem futuro, mas com um presente inesquecível.
Que as boas lembranças sejam eternas e os finais, definitivos.
Retorno sempre àquilo que me inspira. Sejam livros, lugares ou pessoas.

Mais outra primeira pessoa

Teu silêncio me invadiu
E eu me perdi, por te encontrar e perder
Então assim você partiu
E te tenho sem nem mesmo te ver

Eu tento te encontrar
Estava tudo errado e eu não soube o que dizer
Eu quis só te esperar
Havia muito por falar e eu não soube o que fazer

A dor que tudo fiz por merecer
Foi ainda mais do que tento ser
E sempre tentei ser tudo que podia

Apesar disso, tenho as memórias comigo
E ainda que o final seja definitivo
Eu espero que o tempo venha até aqui.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Como um furacão


Houve um alguém para mim.
 Veio quando eu já não mais procurava.
 Apareceu do nada e mesmo assim
 Era tudo que eu mais precisava.

 Ela veio como um furacão.
 Arrebentou as portas do meu coração.
 Foi-se tão de súbito, nada restou,
 E as grades que ela abriu, não fechou.

Agora amo demais e exageradamente.
 E mesmo que eu não seja nenhum pouco inocente,
 Já não consigo mais parar.