"Vai começar a viadagem.", foi a primeira coisa que pensei. Sem quaisquer relações diretas ou indiretas com predileções ou orientações sexuais. É só que aqui no nordeste isso é uma expressão para estupidez, idiotice, falta de compromisso, frescura e quaisquer outras situações interpessoalmente desagradáveis e desconfortáveis para as quais uma dúzia de conceitos não são suficientes para expressar a frustração.
Ela abriu a boca e cada palavra me desceu como um sapo, uma gia, uma rã verde escura e gosmenta pela garganta. Aquela sensação de ouvir sermão de professora de sexta série que finge não ver quando o filho te acerta com bolinhas de papel.
Respirei fundo. Contei do um ao dez e de volta. Três, dois, um. Tentando convencer mentalmente o Universo de que minha contagem regressiva terminava com a implosão daquela desprezível criatura sentada à minha frente.
Não funcionou.
Balancei a cabeça afirmativamente quando ela parou para tomar fôlego. Também não funcionou. ela voltou a falar, embora eu só ouvisse um interminável coaxar inconsistente e incompreensível.
"Isso tem que acabar uma hora", refleti, observando os lábios flácidos praticarem uma espécie de polichinelo subaquático enquanto formavam palavras complicadas, pontuadas de abreviaturas e frases de Augusto Cury ou chamarizes de líder escoteiro.
Me repreendi por fazer uma cara de tédio. Bom que ela não chegou a perceber. Voltei a divagar sobre outro conto que estava escrevendo, enquanto minha rádio mental tratava de sintonizar numa música animada de rock clássico, talvez na tentativa de amenizar meu crescente instinto suicida/homicida com quê de Duas Caras.
- Hummm. - Murmurei, sem prestar nenhuma atenção à interlocutora.
"Eu devo ser o novo Buda. Talvez deva mudar meu nome para Gandhi ou algo assim.", pensei, me aprumando na cadeira.
Uma gota de saliva acertou meu rosto como um míssil balístico lançado por aquela boca nojenta e contorci o rosto com desgosto.
"Espero que o Nirvana valha a pena."