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terça-feira, 13 de maio de 2014

Voyeur



   Ela entrou, sentou e cruzou as pernas. Não a conheço e - pensando agora - talvez nem tenha interesse de conhecer. Mas não entrarei nessa discussão. Àquele momento, tudo que pude pensar foi: Uau!

   Tiro um momento para uma pequena explicação. A maioria de relatos como este passaria então a descrever o espetáculo de mulher que teria entrado no recinto. Suas pernas, suas curvas.
   Talvez a linha tênue que sua saia azul fazia ao cortar a visão no meio de suas coxas torneadas. Talvez o palpitar nos ouvidos e aquele movimento involuntário de engolir a seco ao perder o ar com seu decote - que deixou aparecer por uma fração de segundo a pele macia entre os seios.

   Não.

   Não houve nada disso. Havia chovido toda a madrugada - alguns falaram de neve no começo da manhã - e não havia quase nenhum centímetro de pele a vista. De qualquer forma, não precisava.

   Acompanhei sua entrada com os olhos desde que a porta do bar bateu atrás de si, deixando um sopro de ar gelado soprar seus cabelos. 

   Ela empurrou as mechas para trás das orelhas com um gesto displicente. Estava corada de frio. Mas suas bochechas não eram as únicas rubras. Unhas vermelhas, reparei. Lábios pintados de vermelho, também. E como se estivesse ouvindo meus pensamentos, ela passou a ponta da língua, molhando-os, e mordeu o lábio inferior como uma felina.
   Seus olhos vasculharam o local e brilharam quando encontrou o que procurava. Deixou de morder a si mesma para exibir um sorriso fino. Ah, Deus!

   Caminhou lentamente pelo bar lotado, erguendo-se na ponta dos pés para elevar os quadris e conseguir passar entre as cadeiras. Apertei meu copo e torci. "Pra cá, pra cá, pra... isso."
    Ninguém mais havia reparado nela a não ser eu. E quando ela virou de costas para mim ao espremer-se entre duas cadeiras, a tensão em suas pernas me deu o primeiro vislumbre de uma cintura sinuosa. Minha vez de morder o lábio, parando o copo de bebida a meio caminho da boca.

   A porta do bar abriu novamente, ela estava quase chegando. Parando, ela voltou o rosto para trás. Um pescoço fino ficou à mostra quando o capuz caiu para trás. Os fios bagunçados da nuca arrepiados com a súbita corrente de vento. Arrepiei-me junto com ela.
   Voltou a andar. Sentou. Cruzou as pernas. Estava bem a minha frente, vestida com camadas e mais camadas de pano. Ainda assim, não poderia ser mais excitante. E esta é uma das vantagens de ter uma imaginação tão fértil.