O galo cantou antes mesmo que o sol se pusesse pra fora da toca vermelha em que ele vive. O senhor levantou. A terra ainda escura, o chão ainda frio, aquele sereno de madrugada dando adeus com o orvalho na grama. Pisou fora da cama. Banho de cuia com água gelada na bacia. Pôs a roupa e saiu pro campo. Sua carroça já cheia de milho. Sorriu de orelha a orelha. A colheita tinha sido boa "que só a peste".
Trouxe o cavalo, atou na carroça. Subiu naquele desconjuntado conjunto de madeira pregada, sentindo-se um rei.. "Rei do milho, piada boa". Esse São João ia ser dos bons. Já tinha lapa e mais lapa de pau velho, pau seco e pedaço de armário amarrado bem juntinho na porta de casa. A fogueira ia ser das grandes.
- Aarre! - um golpe de chibata e o cavalo já estava a passo rápido.
Estrada de terra. Passa pasto, passa vaca, passa boi, passa moleque. Estrada de barro. Passa cerca, passa placa, passa bicicleta. Estrada. Alguma federal que esquecera o nome. Estrada de asfalto. Passa carro, passa moto, passa ônibus.
A carroça balançando meio torta, fazendo aquele chiado já conhecido e então "vruuum!", passa um monstro de metal rugindo como touro de rodeio. Deixara todas as casas conhecidas pra trás. Um edifício grande lhe cumprimentou com seu olhar pesado de concreto acinzentado.
Entrou na cidade. Luzes, semáforos, cores, faixas. Pessoas falando sozinhas. Pessoas acompanhadas e sozinhas. Letreiros, rodas, metal, metal, metal. Chegou no mercado. Ilha de normalidade naquela correria iluminada.
Barraca de fruta. Banana a quatro reais a dúzia. Barraca de erva. Oito cabeças de alho pelo preço de quatro. Pesos de ferro, balanças de dois pratos, macaxeira. Encostou a carroça perto da barraca fechada e puxou o banco. Era o rei do milho.
Anoiteceu. Quase todas as espigas tinham-se ido embora. Meteu o chapéu na cabeça, as notas no bolso da camisa suada e voltou pra carroça. Ali a noite era "que nem" dia. O rei do milho não gostava daquilo. Deus tinha feito o dia pra ser dia, pra isso tinha sol. A noite era pra ser noite, era pra ser escura, pra descansar e deixar a terra dormir. Ia-se embora daquele arerê barulhento.
Já estava saindo quando viu a primeira fogueira . São João era São João, fosse onde fosse. E nessa noite dava seu passe. São João era uma noite pra ser dia. E as fogueiras já estavam acesas.