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sábado, 22 de março de 2014

E arder.

   Ao lado dela me sinto um menino. E um homem.

   Sinto vontade de lhe arrancar as roupas e beijar seus pés, suas mãos e cada centímetro de sua pele. Acalentar seus olhos e pedir que ela me fale das coisas que eu não sei. Deixar que ela acaricie meus cabelos enquanto deito meu rosto em seu colo e a ouço respirar e suspirar meu nome. Devorar seus olhos com os meus enquanto cochicho uma canção qualquer.
   Ou erguê-la contra uma parede como a mulher que ela é, tentando sua boca. Morder seus lábios com a extremidade pontiaguda dos meus caninos e percorrer suas curvas com uma língua matreira. Sentir seu sangue pulsar no pescoço como Conde Drácula o faria à Mina Harker.
    Me submeter a todos os seus caprichos e me deixar levar. E me perder.
    Submetê-la ao meu desejo e a sentir acender. E arder.
   

Libido

Pulsão vital.

A vida tem cheiro de tinta.
Tinta vermelha,
Sangue azul.
Como se estivéssemos resgatando
Nossa realeza
Em noites insones
Madrugadas das mais vívidas
E desregradas

Como se só agora tomássemos caneta
E papel
Para escrever e rabiscar e rasurar
Nossa história
Ora uma crônica, ora um romance
Contos concisos
Baladas transgressoras
Em todos os sentidos

Descaracterizando meu caráter
Sinto-me malévolo
E eu gosto
Como se faltar com a palavra
E com a honra
Tornasse mais perigosamente divertidos
Nossos pecados.
Enquanto nos contemos sem querer
E deixamos vir à flor da pele
Nossa libido.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Insensatez


Reconheci uma menina
Como quem vê a primeira primavera.
Mais real, mais vívida e humana,
Que linda mulher ela era

De dia ela tem girassóis nos olhos
Quando anoitece, tem estrelas.
Brilhou para mim durante a madrugada
E agora a desejo por inteira.

A canção de seus lábios me chama
Ainda que seja de certa forma proibida,
Sou daqueles insensatos quando ama
E dessa tentação não vejo saída.

terça-feira, 18 de março de 2014

A Outra


   Deixei-a de pernas bambas. Literalmente falando. As luzes piscavam e, enquanto as batidas do meu coração distavam ligeiramente da frenética batida da música, eu a assistia fazer suas últimas caras e bocas. Que delicioso retrato.

    Sorri de canto e me afastei, voltando à dança enquanto ela apertava as coxas com os lábios comprimidos. A vibração do energético pulsava no meu sangue e eu ansiava por mais, enquanto ela ofegava, tentando se recuperar. Fechei os olhos, sentindo a insensatez se mesclar ao meu desejo. Reabri as pálpebras, olhando em volta. E lá estava ela. A outra.

       Proibida. Intocada. Perfeita. E eu sabia que ela me desejava tanto quanto eu a ela. Já vira em seus olhos. Mas não era o bastante.

         Eu a chamei e ela veio. Veio rebolando, veio entregue, insensata, instintiva. Me confessou o que eu já sabia, mais com o corpo que com os lábios. E que corpo ela tem.

        Num reflexo de consciência, a pedi que me negasse tudo. Impossível. Ela não conseguiria - tal como eu - suprimir por completo aquela luxúria.

        Lascivos como espíritos de fogo, deixamos que a escuridão escutasse as confidências trocadas por nossa pele. Que escondesse nossos pecados. Que a madrugada confortasse o suplício do nosso desejo.

     Assim torturados por nossos instintos, dançamos e deixamos a noite acabar.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Fascínio

Ó destino, agente malicioso
Que, impiedoso, me assiste lutar.
Me livraste dos meus olhos de menino
Impondo-me o fascínio de saber como amar.

Esta eterna sangria de amor, porém
Me escupiu como a ninguém, o maior dos amantes.
Sedento como me tornei, sou cada miligrama de desejo,
Faminto por cada beijo e por todas as noites restantes.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Encanto

   Ela me pegou de jeito.

   Tudo bem, eu baixei a guarda porque quis e já sabia que ela estava me encantando. Estava encantando o lado poético, o lado romântico e fui me deixando levar. Fui cedendo e sacando que ela já me tinha nas mãos. E talvez ela estivesse nas minhas.

   Bastou a canção certa tocar. O "agora não" se tornou um beijo e aí já era. Nós já sabíamos que aconteceria. Bastou a luz da sala apagar. O beijo no lábio virou um ofegar no pescoço. A vida virou do avesso, ou talvez ela tenha me virado do avesso. Ou vice-versa.

   A intensidade - ou densidade - das memórias foram para mim algo como uma droga. Maldita, encheu minha cabeça com seus sorrisos, meio sorrisos, gemidos e tudo o mais que me pôs arrítmico, taquicárdico, apaixonado. E ai dela se der corda. Este relógio aqui tende a fazer as vezes de cronômetro, regressivamente contando o tempo para a explosão. Ai dela se der corda, que me enlaço, me perco, me apeteço... por qualquer pedaço de seus lábios. 

    E que lábios. E que boca. E que mulher.
                                 Eu quero essa mulher.

   Não obstante os pontos sem nós, a qualquer momento que estejamos a sós, entrego-me outra vez.
                  Não é o bastante essas pontas soltas, já não haverá outras, pois ela me encantou de vez.

terça-feira, 11 de março de 2014

Baião, Prosa e Verso III


   O galo cantou antes mesmo que o sol se pusesse pra fora da toca vermelha em que ele vive. O senhor levantou. A terra ainda escura, o chão ainda frio, aquele sereno de madrugada dando adeus com o orvalho na grama. Pisou fora da cama. Banho de cuia com água gelada na bacia. Pôs a roupa e saiu pro campo. Sua carroça já cheia de milho. Sorriu de orelha a orelha. A colheita tinha sido boa "que só a peste".

   Trouxe o cavalo, atou na carroça. Subiu naquele desconjuntado conjunto de madeira pregada, sentindo-se um rei.. "Rei do milho, piada boa". Esse São João ia ser dos bons. Já tinha lapa e mais lapa de pau velho, pau seco e pedaço de armário amarrado bem juntinho na porta de casa. A fogueira ia ser das grandes.

   - Aarre! - um golpe de chibata e o cavalo já estava a passo rápido.

   Estrada de terra. Passa pasto, passa vaca, passa boi, passa moleque. Estrada de barro. Passa cerca, passa placa, passa bicicleta. Estrada. Alguma federal que esquecera o nome. Estrada de asfalto. Passa carro, passa moto, passa ônibus.

   A carroça balançando meio torta, fazendo aquele chiado já conhecido e então "vruuum!", passa um monstro de metal rugindo como touro de rodeio. Deixara todas as casas conhecidas pra trás. Um edifício grande lhe cumprimentou com seu olhar pesado de concreto acinzentado.

  Entrou na cidade. Luzes, semáforos, cores, faixas. Pessoas falando sozinhas. Pessoas acompanhadas e sozinhas. Letreiros, rodas, metal, metal, metal. Chegou no mercado. Ilha de normalidade naquela correria iluminada.

   Barraca de fruta. Banana a quatro reais a dúzia. Barraca de erva. Oito cabeças de alho pelo preço de quatro. Pesos de ferro, balanças de dois pratos, macaxeira. Encostou a carroça perto da barraca fechada e puxou o banco. Era o rei do milho.

   Anoiteceu. Quase todas as espigas tinham-se ido embora. Meteu o chapéu na cabeça, as notas no bolso da camisa suada e voltou pra carroça. Ali a noite era "que nem" dia. O rei do milho não gostava daquilo. Deus tinha feito o dia pra ser dia, pra isso tinha sol. A noite era pra ser noite, era pra ser escura, pra descansar e deixar a terra dormir. Ia-se embora daquele arerê barulhento.

  Já estava saindo quando viu a primeira fogueira . São João era São João, fosse onde fosse. E nessa noite dava seu passe. São João era uma noite pra ser dia. E as fogueiras já estavam acesas.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Sobre Ônibus Perdidos, Sofás e Bebidas às Oito da Noite

   Estendi a mão e sorri de canto, com o sarcasmo borbulhando pelo canto dos olhos. O motorista me olhou nos olhos e passou direto, talvez pela vontade de descontar em mim sua dose de frustração.

   "Ok. O próximo demorará demais, vou caminhando." pensei, já pondo um pé na frente do outro. "Vai levar uma vida... Haja amor."

* * *

   Esquinas espreitaram, escondendo-se atrás de árvores nas praças. Um ciclista passou de bicicleta, dois carros, um ônibus, outro ônibus. Nem virei para olhá-los.

  Passava diante do supermercado quando o letreiro acendeu. As pessoas começavam a se recolher, deixando as ruas mais e mais vazias.

   Acenderam também os postes. Me aproximava, finalmente. Parei diante do portão, recuperando o fôlego. Toquei a campainha. Não demorou muito. Lancei um último olhar para trás.

   Acenderam as estrelas. Mas apagaram-se as luzes. Glória.

   Oficialmente noite.

* * *

   Eu não imaginava que logo ela me serviria - ou melhor, nos serviria - copos de bebida. Não inquiri, apesar de curioso. Sentamos lado a lado sem almofadas, a conversar baixo, talvez pela falta de luz. Mas as pupilas dilataram - e não só pela falta de luz. Transmutamo-nos ali. Algo um tanto alquímico. Olhos de ver através. Dedos de sentir calor. Abraços de sentir perfume. E carinho. E mais.

  Gosto do tempero do álcool, reconduzindo instintos. Não é como se nos reprogramasse. E mesmo que tenha de ficar guardado no fim de semana, vale a pena. Mas há de ter um cheque mate, há de ter uma reprise. Porque a vontade fica e tem mais, é atração. E é química. E é foda.

* * *

   A silhueta dela sobre mim, os lábios entreabertos, os corpos entrelaçados, os olhos - entretanto - completamente fechados. Perdidos entre gemidos. Pulsando por tensão. Mas a noite tinha de passar, apesar de todo o desejo.

   Acenderam-se as luzes. Ficaram as marcas. Ficaram os perfumes. Ficaram as memórias.

   
* * *

   O sofá ainda está nos esperando.
   
      E nós voltaremos.