Páginas

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

As cebolas de natal.

Limpa a bandeja.

Corta a cebola. Corta o dedo. O vermelho pinta a pia. Pinga. Chora. Dor que abre a epiderme, queima a carne sob ela.

Corta a cebola. Corta laços. O jantar está quase pronto mas as cadeiras estão vazias. Senta. Chora. Dor que abre um vazio lá dentro.

Corta a cebola. Corta. Reparte. Dor que fatia e arrasta garganta acima o coração. Descem as lágrimas.

Cozidas elas não ardem em ninguém. Exatamente como as paixões que já passaram pelos beijos e abraços e amassos.

Ela acende as velas, lambe o dedo, põe o prato.  Come sozinha.

Está tudo bem agora.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Uma caixa de exageros de amor.


Pobre coitado.

O vi parado com a mão no bolso, apertando o maxilar enquanto reunia coragem. Ela não sabia que ele trouxera todos os exageros do amor dentro de uma pequena caixa de camurça azul-marinho. Ela sorriu pra ele. Estava feliz em vê-lo. Abraçou-o, beijou seu rosto, deixou seu perfume por toda a roupa dele.

Ele a apertou contra si, como quem sabe que o mundo vai acabar no próximo minuto. E os sessenta segundos correram como só os segundos sabem correr. O abraço acabou. Ele a olhou nos olhos com toda a profundidade que lhe era digna. Dignou-se a sorrir seu melhor sorriso. Desviaram os olhos. O minuto acabara.

Ela virou-se, abraçou o outro. Tocou-lhe o rosto. E o jovem desabou por dentro. Ela não via, talvez nem ele visse, mas eu sabia. Ela entrelaçou os dedos com o outro, deu-lhe um beijo. Não no rosto. Ela acenou um adeus com o sorriso maravilhoso que tinha. Viraram a esquina.

Ele baixou os ombros. Tirou a caixa de camurça azul-marinho. Encarou-a inexpressivo. Era a hipérbole criminosa da liberdade talhando-lhe o amor outra vez. Sorriu de lado para a esquina vazia. Jogou a caixa de camurça no lixo. Virou as costas.

Pobre coitado.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Braile.

Entramos tateando no escuro. Estava cego e rimos juntos. Canelas e dedos mínimos nos guiaram entre os móveis. Estávamos embriagados. E rimos.

Enxergava com os dedos os seus cabelos, e seu rosto e seus lábios. Então com a boca.

O silêncio esticado como as cordas de um instrumento, vibrando e soando com o estalar de beijos rápidos. Não sabia mais onde estávamos.

Minhas mãos corriam de um lado a outro por entre as trevas e das trevas eu não saia. Entrei por sua saia. Havia cadeiras, mesa, geladeira. O frio e o calor eram um só.

Estávamos na cozinha e, embora escuro, o fogo estava aceso.

Aceso em nós e ofegantes.
Passo, passo, passo. Pés, dedos e coxas.
Ela está sobre a mesa. E treme.

Sofá, tapete e chão são um só.
Rolamos pela casa como animais.
Todos os sinais são músculos e dedos entrelaçados.

Somos um conto de paixão escrito em braile.

Batuques de Mossoró


                                


    Ela me tirou pra dançar. Morena, com um jeito baiano.. Daquele tipo que tem cachos perfeitos e pretos como carvão. Daquele tipo de mulher que exala sensualidade, com um sorriso branco e lábios grossos de África. Daquele tipo que me põe de joelhos com um rebolado espanhol.

   Ela me tirou pra dançar e eu me senti pequeno. Como um menino de rua que se perde no olhar de uma modelo de outdoor. Se a paixão tem um cheiro, ela o usava de perfume. Entre o pardo e o teca, a pele dela brilhava sob a luz daquelas lâmpadas à candieiro.

 Que lambada era aquela? Me escapa à memória.
   Que ardor era aquele? Meu coração bateu tão forte, tão rápido.

    Ela me olhava nos olhos como se fôssemos protagonistas de um romance. Como se já estivéssemos à baila de uma cama. Duas pérolas negras. Ela me olhava com uma paixão tão quente que me punha a salivar. E eu sabia que era um segredo de nós dois. O resto do mundo não conseguia ver que nós já estávamos ardendo.

   Naqueles curtos segundos ou minutos ou horas, eu só punha minhas mãos em sua cintura e sentia o movimento de seu quadril, ouvia sua risada entre lábios, sentia o esvoaçar do seu vestido. Meu coração batia na garganta, enquanto ela sinuava em minha frente, entre minhas mãos, em minha volta. Ela estava em todo lugar. Sua respiração por vezes se confundia com a minha e mesmo sendo um leigo, me senti um artista. Durou pouco, mas durou um infinito. O suficiente pra deixar uma marca em algum lugar profundo. O suficiente para minha garganta se fechar enquanto eu lembro. E me arrepio e suspiro.

   Talvez eu volte àquela dança. Talvez eu volte àquela Rosa.
  
   Seu rosto não vai desaparecer da minha lembrança. E que rosto. E que corpo. E que dança. Deus, que mulher!

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Me avise quando for embora.

Minha mais cara amiga...

Estou tão alcoolizado neste momento que nem confio nas minhas palavras escritas agora. Olhe só que elas são quase sempre minhas confidentes. Ouço Cazuza, e ele me define: " exagerado, sou mesmo exagerado. Amor da minha vida, daqui até a eternidade. [...] por você largo tudo [...] até as coisas mais banais, pra mim é tudo ou nunca mais".

Eu sei que você sabe que eu exagero mesmo ao dizer que "nunca mais". Sempre sou o que precisar ser pra ter um espacinho pra você. "Me avise quando for a hora", você realmente balança o meu amor. Tuas caras são tão engraçadas. Pode ouvir e seguir tua estrela. Me avise quando for a hora.
Inovo agora. Pode ser que seja tarde e tenho medo que "nós na batida, matando a sede na saliva" nunca venha a acontecer. Menina, teu corpo inteiro é um furacão. Tua mente, teu corpo. Não, não, não.
Soubestes que estive todo prata, todo ouro. Todo inteiro e teu. Todas as minhas ilusões e sonhos. Tudo teu. Sem rock and roll. Sem analista. Não quisestes. E o garoto que queria mudar o mundo... Frequenta as farsas e as festas do Grand Monde.
Não tenho mais nem mesmo uma ideologia. Sei que poderia ter dado tudo de mim. Sei que adoro me apaixonar. Cazuza me disse que era exagerado, exagerei, e estou aqui. E é só. Não sei o que te prender, tive um sonho ruim e não quero te perder.
Será que você ainda pensa em mim?

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Periferia



Estou na periferia do seu amor.

Me vês ao longe, subindo morros, traçando rotas no subúrbio das paixões insólitas do teu coração.

Queria-te. Amaria-te. Te amaria no futuro do pretérito, pois nossas chances padecem de um eterno retorno ao passado. E vão passando. Talvez uma, talvez uma dúzia de oportunidades que eu pensei ter aproveitado e perdi.

Se tudo passa, talvez você passe por aqui. Outra vez. Mas vocês já estão tão passados, como roupas lavadas que já não vão para o varal. O meu varal de poesias estava vazio. Cria que minhas cicatrizes já nem tão nuas haviam esquecido de você. Cria que todas haviam sarado. Ledo engano... Você, Leda e Calisto, trouxe meus relâmpagos ao chão, não sou Zeus, nem Plutão. Sou apenas mais um Páris apaixonado pela Helena errada. Mais que Afrodite, você cruzou cada um dos meus versos numa rede para me aprisionar. Assim, estive todo em você, mas você não estava em mim.

Fomos um cervo de luz prateada, um feitiço certeiro, palavras incertas que me dobraram, me enfeitiçaram, me negaram a primeira fatia do bolo. E não gosto de segundos lugares, sou todo ouro e tequila: uma verborragia de paixões moribundas, desejos incontroláveis e amores (i)mortais.

Apesar de tudo, cresço como erva daninha. Torno a retornar para suas torneadas pernas, envolvo seu pequeno corpo e perco-me no perfume dos seus cabelos. Mente, verdade, imaginação. Truques de mágica e prestidigitação de textos digitais: palavras, poesia, portas através de espelhos onde você, Alice, e eu, Narciso, somos nada mais que um eco de amor a soar. E ressoar.

Um sonoro gemido de prazer.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Sobre violões e beijos.



   Sinto falta das cordas e da curva fria em que punha o rosto, pensando na vida. Aquelas curvas me conheciam bem até demais.

   Encontrei algumas curvas novas. Curvas quentes, estas. Para deixar os dedos percorrerem e arrepiarem... A pele.

   Um corpo de violão, para tocar e fazer soar. Soar acordes de um acordar noturno. O belo som que só dois corpos conseguem fazer. Uma música que sai suspirando pela boca.

   Um instrumento de carne para tocar com os lábios e que se derrete. Néctar para beija-flor. E é de beijos que preciso.

   Longos, apaixonados e confusos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Ana Maria

    Ana Maria, tua liberdade me encanta. Sei que não és nenhuma santa e isso me atrai ainda mais. Minha devassidão de pensamento curva-se à tua vontade, como o súdito ajoelha diante da majestade. Então ouço - pois - e obedeço: Se assim me ordenar, enlouqueço, apenas para te agradar.

   Não sou bicho domesticado. Dona não posso ter, mas sirvo-lhe como o vento que passa leve, para suspirar e dar prazer. Mesmo que não me segure, nada para o fluxo do rio, pois do fogo sou calor e do gelo sou o frio. Vou-me tão certo quanto o sol poente, inevitável e calmamente. Volto quando quiser, mas em uma noite qualquer basta chamar meu nome e te obedeço, Ana Maria.

    Saiba que gosto do meu reflexo, tanto ou mais quanto do teu sexo. Não entenda como repulsa, muito pelo contrário, gosto dos talhos que ficam em mim quando uma mulher me ama. Seja Maria ou seja Ana.

Por uma noite

Me leve pra jantar, mas sem velas. Que de luz haja apenas a que o céu permitir brilhar. E se permita. E ame.

Me ame como se o mundo fosse acabar esta noite e, nesta noite, deixe o amor acabar. Deixe-o consumir. Vamos viver esse agora como a noite que sofre com a certeza da finitude. Que o sol seja um outro começo. Esqueça esse amanhã. Quando a manhã chegar, não sabemos quem seremos nós. E mesmo que tenhamos de ficar sós, estaremos eternizados na lembrança.

Que um fim o bastante seja tudo em cada dia. Que o para sempre seja um infinito de algumas horas. Assim tudo que importa é o agora.

E com isso dito, agora amamos.

Porto

    Altos e baixos da vida. Alto mar. A complicação de cada personalidade em choque deixa-nos todos prestes a rachar. Estarrecido, demonstro meu desapontamento quando alguém traz para casa as tempestades da vida lá fora. Mas não tema. Se estás perdida nessa tempestuosa revolução de atitudes, prestes a deixar tudo passar, grito para ti: "Alto lá!"

   Desembarque em mim, meu bem. Nessa turbulência da vida cotidiana, sou um porto pacífico de simplicidade.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Anestesia



Deixe em paz minha angústia
Respeite o meu epitáfio
Já que minha esperança pífia
Não criou-te nenhum laço

Despertas o melhor de mim
Mas deixa-me perecer sozinho
Melhor que seja assim
E cada um siga seu caminho

Peço-te que seja feliz com ele
Não olhe para trás nenhum momento
E ouse me convidar para o casamento

Pois essa dor agora já entorpeceu.
Mesmo que eu fosse mais feliz em sua presença
Agora já sei conviver bem com sua ausência.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Talvez uma metáfora


   Essas esdrúxulas e ridículas ideias brotam como diabretes infantis e irracionais do centro do ser, escapando à racionalidade. Nenhum de nós, seres humanos, está a salvo do indelével contrato com as emoções insanas que nos ascendem ao alvorecer e assombram no entardecer de cada dia.

   Para alguns um tormento, para outros, arte. Abuso da artimanha de alimentar cada centelha de emoção até a exasperação niilista de quem conhece a si mesmo. E como conheço!

   Dessas egocêntricas passagens sentimentais, rabisco um romantismo impressionista, trancafiando libertos estes devaneios insensatos. Ó, Glória. Shakespeareanas e teatralizadas, sentidas e exaltadas, essas emudecidas e pueris ficções se tercerializam para que eu as assista e entenda cada vez mais profundamente o íntimo da alma humana. Minha alma.

   Talvez Wilhelm esteja correto e a alma seja uma lamacenta, mísera e lastimosa criatura a pesar sobre a nossa divina carne. A carne e seu instinto não possuem prantos, depressões ou revoltas. A carne é. O instinto quer. Uma vez satisfeitos, não deixam espaço para contudos ou entretantos.

   Em bem-me-queres, meus metodológicos instintos casaram com a razão. Estas expressões de insatisfação e inquietação sentimental são meras quimeras da minha transmutação incompleta em divindade terrena, no plano das ideias. Estas absurdas reclamações merecem nada mais que a ignorância, para que aquietem-se e tornem-se nada mais que objeto de estudo. Um microcosmo do universo social. Um "quê" a mais, para aumentar a sabedoria.

   E talvez seja tudo uma metáfora alterista, para saber o que o mundo sente. Cheia de palavras complexas, ideias esdrúxulas e ridículas. É... Talvez seja apenas isso.

Três Tempos

Há ouro correndo no meu corpo preto e branco. E tudo dança numa balada setentista de imagens borradas.

Passado..

Me envenenou com seu charme ferino e torceu num nó apertado cada veia como os cadarços de um sapato velho e carcomido.

Ainda estou entorpecido. O ouro que correu nas minhas veias me fez pulsar e ferver, mas a noite terminou em preto e branco. As danças embaladas em músicas setentistas deixaram um punhado de imagens borradas e memórias nubladas que não me deixam esquecer.

Presente.

Me envenenou com um charme felino, um desejo ferino... Não sei se você sabe, mas me deixou torcido num nó apertado e meu eu insano veio a tropeçar e se perder.

E ao que possa parecer, assim queira cada parcela em mim.  O ouro saiu das minhas veias me deixando vazio e frio e calado, mas pássaros azuis trouxeram minha voz de volta. Está tudo um tanto azul e as baladas de indie rock repuseram um punhado de esperança e memórias forjadas que me levam a observar.

Futuro.


terça-feira, 18 de novembro de 2014

Cento e Quarenta



Nesta terra de palavras vazias e letras poucas, ela é uma colher cheia. Não. Um mar inteiro de boas ideias, soberana de pensamento e emoção.

Sob efeito da abstinência mais cruel, ela me pintou com um pincel de poesia, de Anjos e de Rosa. Sou agora de Jobim, de Moraes, de Bandeira.

Ela me reinou em cento e quarenta caracteres apenas. De frase em frase, sob este efeito de angustiante sobriedade, eu sou apenas de Andrade.

domingo, 21 de setembro de 2014

Por favor

Me mata de amor
por favor
e se tu for
não volta mais

Se for assim
esquece de mim
e dá um fim
nessa paixão

Ó, meu amor,
eu aguento a dor
e se preciso for
te deixo partir

O meu coração
aguenta um não
é melhor então
que um talvez.

sábado, 20 de setembro de 2014

Me sinto só

A noite se alonga. É fim de semana, mas não vou a lugar algum. Digo, não fisicamente, pois minha mente vai na tua casa, vai no teu quarto, vai no teu telefone, segura a respiração e volta, como uma onda quebrando na praia.
Meu jazz se estica ao som do sax de segunda mão e morre, como morre o dia no lusco-fusco. E me ofusco com meus sonhos acordados. E nós, novamente, não temos chance.
Sopra a brisa com vagar e a retidão dos meus pensamentos se perde. Acaba a melodia. Entra uma voz feminina, que não é a sua, para tragar meu ser como amorcotina num cigarro de melancolia. "Eu quero te roubar pra mim...", diz ela, maldosamente mimetizando minhas vontades. "... eu, que não sei pedir nada."
Não sei. Mesmo. Não sei pedir, só sei sentir. E me sinto só.

Uma Princesa

Ela tem olhos como dois sóis, girassóis ou flores douradas de jasmim. Espelhos d'água em que eu mergulho para um outono castanho e profundo, por vezes frio como a brisa que lhe sopra os cabelos, por vezes febril como o sol de fim de tarde.
Uma princesa. Uma rainha. Uma espécie de brincadeira irônica do destino, que trouxe para a realidade uma pequena mescla de todas as damas de minhas histórias fantásticas e minhas. Só minhas.
Naquele passo perdido de quem cambaleia, procurando um caminho com olhos de menino, tentei deixa-la passar. Deixar que ela fosse e viesse como mandasse sua vontade. Mas minha mente é irrequieta, rebelde. Não consigo esquecer.
Não consigo esquecer uma única noite. Uma única madrugada ou manhã. Não consigo ceder ao oblívio nenhuma das mínimas parcelas de desejo que ela deixou em mim. Nem o sorriso, nem o abraço. Não consigo deixar passar por mim a memória de suas unhas ou de seu calor, nem de sua cama ou edredom. Nada é em mim como ela foi. Nada é pra mim como ela pode ser.
Sem dúvida que há outras que possam se abrigar no vazio que ela deixou em mim, mas na minha transparência, saberão que ainda falta. Faz falta.
Desde então, apenas ela existe por completo na minha saudade.
Ela foi. Ela é. Só ela pode ser.

Óculos

Vivo repetindo que preciso usar óculos. Às vezes acho mesmo que minha visão turva nas curvas da vida. Mas é difícil explicar para os outros o motivo de ter tentado tantos e tantos caminhos. Não é que tenham sido os caminhos errados, apenas não foram os certos.
Algumas vezes, no entanto, tenho certeza de que preciso de um par de lentes. Mais metafóricas, mais cardíacas. Afinal, eu vejo mesmo que ocaminho certo está bem na minha frente. Digo, uns 20 centímetros pra baixo.
Uma coisa que nunca me ouvirão dizer, no entanto, é que preciso de um relógio. O único tique-taque que preciso ouvir é o meu próprio coração, pulsando forte aqui no peito. Além disso, um relógio tende a nos cutucar com o passar das horas e eu não gosto de me apressar.
Além do mais, não preciso contar horas pra saber esperar.

Rapunzel

Você não é mais a mesma. Ou talvez meus olhos tenham mudado mesmo, afinal.
Você renasceu para mim. Ou talvez eu tenha te recriado na minha mente.

Antes era um anjo. Uma ideia. Um amor platônico. Minha Rapunzel sem trança, no lugar mais inalcançável que eu podia imaginar, mas daí veio o tempo, inexorável, e eu cresci. A torre que mantinha o teu sorriso lindo tão distante se tornou pouco mais que um lance de escadas e uma porta fechada enquanto eu dormia inquieto no sofá.

Me vi querendo muito mais que um beijo roubado dos teus lábios risonhos. Quero amor e chamas invisíveis, e cheiros, e suspiros. Toda a tua pele nua para desbravar e escrever. Cada centímetro para provar e, ainda com teu gosto na boca, declamar aos quatro ventos em prosa e em poesia.

Quero atar teus olhares nas páginas ilustradas do meu diário, te desenhar inteira na parede do meu quarto, para dormir e acordar contigo do meu lado mesmo quando estiver sozinho.

Te quero assim, completa. Porque eu gosto mesmo de você, bem do jeito que você é. Te quero desarrumada e meio perdida, bagunçada e sonolenta, ou nos teus vestidos vermelhos, no topo dos teus saltos altos.

Meu coração de retalhos de romances antigos não pode virar outro, mas não será o mesmo. Pois cada vez que nos perdemos naqueles abraços, uma agulha dourada me fere por dentro, tatuando outra vez teu nome numa caligrafia redonda em cada face do meu já lapidado coração.

E dói. Porque não é mais um sonho, não é mais uma ideia. Você não está mais numa torre. Eu subi as escadas e enquanto as estações passam devagar, eu te espero recostado na janela. E espero, e espero, e espero, pois não quero ser a pessoa certa na hora errada.

Espero até que esteja tudo certo aí dentro.
Tudo arrumado e pronto pra me deixar entrar.

Ô, vida injusta

Ô, vida injusta! E esse copo vazio, a porta que não abre, o amor que não chega.
Ô, vida injusta! E esse tempo que não passa, a chuva que não cessa, o vento que não sopra.
As malditas estradas são muito compridas, o dinheiro é muito escasso e não surge uma criatura de carne e sangue que queira foder simplesmente. É foda.
O pior é que se essa porra fosse fácil, ninguém dava valor. E é por isso que eu gosto.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Sabor de Fruta Mordida

"Eu quero a sorte de um amor tranquilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva [...]"


O que é esse sabor de fruta mordida?
É a fruta da que já se provou? Aquela que foi aos lábios e se afastou deles?

Pois se é, então que me venham novamente frutas aos lábios. Uma que transforme meu tédio em melodia, como um remédio que me dê alegria.
Desde que seja um amor tranquilo. E que tenha boca, nuca, mão. Minha mente não irá ao lugar nenhum.
Não terá moedas pra dar garantia, não. Mas por todo inferno e céu de todo dia, transformo a vida toda em poesia. Dessas poesias que a gente não vive.
Encontro, sim, tua fonte escondida. E se o teu corpo inteiro, for como o conheço, um furacão. Temos todo o amor que houver nesta vida, não?

Adormeço

Tornei-me um vislumbre. Uma sombra. Um reflexo.
Apenas um eco do narciso que fui.
Apenas um músculo, apenas uma memória. Meu coração agora é asséptico.
Não tenho mais rosas, não tenho mais.
Meu espelho rachou-se. Como parte-se a moldura de um retrato.
Parte-se. Parte-se.
Partistes.
As escrituras da minha alma permaneceram. Lembranças, sorrisos, mágoas.
Notas secretas, escondidas onde ninguém pode achar.
Mas sem cores. Sem vermelhos, sem azuis. Nem mesmo uma branca e vazia tela.
Apenas escuridão. Apenas madrugada.
Sou escuro por dentro. E frio. Como a noite que me faz às vezes de berço.
Cubro-me com seu manto e escondo-me da luz.
Estou me perdendo e apenas minhas próprias palavras protegem-me da insanidade.
Elas trazem para mim o passado. Levam-me também para o futuro.
Confio meu destino nesta única ação.
E escrevendo, esqueço.
E finalmente adormeço.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Dia D


Dane-se o mundo quando você sorri.
   Caraca, Dani, nem acredito que já faz mais de três anos que te conheço... Esse tempo passou voando, hein? E mesmo que tenha passado assim, deu pra sobrevoar muita coisa.
    Nesse meio tempo a gente já fez tanta coisa, foram tantas aventuras (e desventuras) com direito a dancinha na chuva e cerveja no meio da semana... Uma melhor que a outra.
     Já te vi morena, loira (a única loira que sempre vou achar bonita, além daquelas que vem geladas) e ruiva (meu Deus, meu Deus, meu Deus!), vestida de tudo que foi coisa e concluo que sempre vou te gostar o mesmo tantão. (Um pouco mais se estiver ruiva, porque né..)
     Se você não sabe (mas devia saber, rum!), agora está obrigada a saber (e se não, vou lhe achar muito obtusa, olhe lá), porque estou declarando por escrito onde todos podem ver: 
    
    Você é muito, mas muito especial mesmo, guria. Única no mundo, diva maravilha, musa, deusa grega, fonte de serotonina e dopamina estrogeniosa, (Tá bom?) Enfim, eu te amo do fundo do coração. (Até porque você é meio eu e todo mundo sabe que eu me amo de verdade.)

    Parabéns, guria, por mim e pela tua mamys - que pode não estar aqui pra dizer, mas que com certeza tá em algum lugar lá em cima, tão orgulhosa de você quanto eu.

   Você tem um quartinho azul com todos os meus posters imaginários de AC/DC lá na cobertura do meu coração, com vista pro mar. Por isso e por aquilo e por aquilo outro, quero que tu seja mais feliz que girassol quando amanhece o dia.

Um meio quilo de Bacon (não pera..)
Um meio quilo de Beijo
O maior dos meus mais longos abraços
E com todo o amor do mundo,

Sam

28 de Novembro de 2013

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Via Láctea



   Derramaram um pote de mel no céu. Ou de leite fluorescente.

   Derrubaram um quilo de açúcar no céu. Ou de diamantes.

Estou trocando diamantes por rubis
Devolvendo palavras das mais sutis
E avermelhando o céu

Pintando tudo de vermelho
Como disse que faria,
Mesmo não sendo marciano.

Eu iria mesmo ao fim do universo
Ou para dentro de uma história
Para fugir de você.

Mas neste mar faiscante de mel
Não sei o que é chão e o que é céu
E afundo devagar.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

V de Amor

Inventei o vento como quem vê, atento, o vazio aqui dentro esperando para suspirar.

Vendo o vai e vem enciumado de uma data vencida, me convenci a deixar passar.

Vã esperança, era a vez de uma tola memória apertar os ventrículos e soar como um ventríloquo a voz feminina no ar.

Vil amargor de ano passado, voltando aos olhos só para ver as lágrimas vaidosas lutarem para não cair.

Vai ver é sempre assim.

Vai ver que vencer não é esquecer, mas viver lembrando.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Voyeur



   Ela entrou, sentou e cruzou as pernas. Não a conheço e - pensando agora - talvez nem tenha interesse de conhecer. Mas não entrarei nessa discussão. Àquele momento, tudo que pude pensar foi: Uau!

   Tiro um momento para uma pequena explicação. A maioria de relatos como este passaria então a descrever o espetáculo de mulher que teria entrado no recinto. Suas pernas, suas curvas.
   Talvez a linha tênue que sua saia azul fazia ao cortar a visão no meio de suas coxas torneadas. Talvez o palpitar nos ouvidos e aquele movimento involuntário de engolir a seco ao perder o ar com seu decote - que deixou aparecer por uma fração de segundo a pele macia entre os seios.

   Não.

   Não houve nada disso. Havia chovido toda a madrugada - alguns falaram de neve no começo da manhã - e não havia quase nenhum centímetro de pele a vista. De qualquer forma, não precisava.

   Acompanhei sua entrada com os olhos desde que a porta do bar bateu atrás de si, deixando um sopro de ar gelado soprar seus cabelos. 

   Ela empurrou as mechas para trás das orelhas com um gesto displicente. Estava corada de frio. Mas suas bochechas não eram as únicas rubras. Unhas vermelhas, reparei. Lábios pintados de vermelho, também. E como se estivesse ouvindo meus pensamentos, ela passou a ponta da língua, molhando-os, e mordeu o lábio inferior como uma felina.
   Seus olhos vasculharam o local e brilharam quando encontrou o que procurava. Deixou de morder a si mesma para exibir um sorriso fino. Ah, Deus!

   Caminhou lentamente pelo bar lotado, erguendo-se na ponta dos pés para elevar os quadris e conseguir passar entre as cadeiras. Apertei meu copo e torci. "Pra cá, pra cá, pra... isso."
    Ninguém mais havia reparado nela a não ser eu. E quando ela virou de costas para mim ao espremer-se entre duas cadeiras, a tensão em suas pernas me deu o primeiro vislumbre de uma cintura sinuosa. Minha vez de morder o lábio, parando o copo de bebida a meio caminho da boca.

   A porta do bar abriu novamente, ela estava quase chegando. Parando, ela voltou o rosto para trás. Um pescoço fino ficou à mostra quando o capuz caiu para trás. Os fios bagunçados da nuca arrepiados com a súbita corrente de vento. Arrepiei-me junto com ela.
   Voltou a andar. Sentou. Cruzou as pernas. Estava bem a minha frente, vestida com camadas e mais camadas de pano. Ainda assim, não poderia ser mais excitante. E esta é uma das vantagens de ter uma imaginação tão fértil.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Fiz as malas para o sábado.


    Meu bem, te escrevo para demonstrar um tanto do profundo amor que sinto por você. Nem mesmo que cantasse todas as músicas ou escrevesse todos os versos poderia descrever a extensão desse sentimento, mas não me canso de tentar.
    Minha história se divide em duas, antes e depois de conhecê-la. Se agora essa história - minha história - pode se tornar a nossa história, não hesitarei um segundo sequer. Não precisamos saber para onde vamos, nós só precisamos ir. Juntos.
    Se era difícil admitir que havia me apaixonado, hoje até quem me vê lendo o jornal na fila do pão sabe que eu te encontrei.
    Os anos passaram e eu posso afirmar que:
    Eu sei que vou te amar por toda a minha vida, desesperadamente. À espera de viver ao lado teu.
    Eu sei que nosso amor não vai morrer e vou pedir aos céus, você aqui. Comigo.
    Haverão tempestades, é claro. Mas eu estarei aqui contigo. E quando a chuva passar, abra a janela e eu serei teu sol.
     Dizem que é difícil encontrar o caminho das pedras, mas nós sabemos que não é bem assim. Não enquanto vibrarmos em outra frequência.
"Every time I hold you I begin to understand"
   Não importa se estivermos distantes de tudo. Não importa se só nos restar um minuto para o fim do mundo. Eu adianto um dia no trabalho, eu pinto todo o céu de vermelho, para ter um segundo a mais ao teu lado.
"Põe um sorriso na minha cara..."
   E se você quiser, a gente foge daqui um dia antes... Para uma praia, onde tenha sol; para qualquer mar, em um navio a navegar... E se for pra casar no domingo, eu fiz as malas para o sábado. Não importa para onde vamos. O que importa é que seja com você. Leve, firme e para sempre.

 "Então, vem pra perto de mim?"
  

terça-feira, 22 de abril de 2014

Quatro Besouros

   Acordei com quatro insetos zumbizando no meu ouvido. Não sou um grande fã de insetos, mas quem me conhece sabe que eu não costumo matar os coitados exceto se me picarem ou me encherem o saco (todo mundo tem seu limite).

  Mas esses besouros eram de outro tipo. Engravatados, com aquela cara de "hey, jude, don't make it bad", sabe? Quase como se tivesse pulado fora dos anos sessenta pra minha cabeceira. E eles me entendiam, quase tanto quando o Elvis me entende.

   "Vou fingir que estou beijando os lábios dos quais eu sinto falta e torcer para os meus sonhos virarem realidade" - me disse um deles, antes de me piscar os olhinhos como quem não sabe de nada. Ele sabia de tudo. Safado. Sabia exatamente o que se passava na minha cabeça.

   "Oh, me ame! Me ame de verdade!" - zombou outro, voando para longe do meu olhar furioso e repetindo. Zombando, zumbizando: 

   "Você já sabe que te amo, sempre serei fiel. Então, por favor, me ame de verdade."

   Maldito.

   "Um amor como o nosso nunca poderia morrer, contanto que eu tenha você perto de mim." disse o terceiro, com sobriedade. Ele sabia. Ah, ele sabia. E ainda me olhou cruelmente, sabendo que eu não a tenho perto de mim.

   Mas o último besouro não riu. Não zombou. Mas, zumbizando, me mostrou que todos eles acreditavam em mim. Não era zombaria. Me trazendo lágrimas aos olhos, o quarto besouro falou como a luz da esperança no fundo da caixa de Pandora e os outros repetiram:

"Deixe estar. Não haverá tristeza... Sussurrando palavras de sabedoria... Deixe estar."




Elvis nos entende.

   Estávamos na fossa, os dois. Ele, amado, amando, distante como só um coração pode saber. Eu, desejado, desejado, perto como só um coração pode saber.

   Sofríamos por motivos diferentes, mas dores parecidas.

   "É, amigo, estamos no fundo do poço."

Like a river flows, surely to the sea,
Darling, so it goes somethings are meant to be.
Take my hand, take my whole life too.
For I can't help, Falling in love with you
   Tivemos a sorte, boa ou má, de nos apaixonarmos por mulheres muito  parecidas; com resultados tremendamente distintos.
   Não posso dizer nada por ou para ele, que possa parar essa dor ou reverter o que se passou dentro dele, assim como não posso fazer por mim. Elvis estava certo sobre ambas as nossas situações, quando disse que assim como um rio corre certamente para o mar, algumas coisas estão destinadas a acontecer.
    E aconteceram. Lentamente, sem que eu pudesse perceber. Sem que eu visse ou sentisse se mover.
    
    É, eu não consigo evitar me apaixonar por você.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Isto não é um jornal.

Criatividade é algo difícil de entender. Uma parcela profunda da mente humana, uma parcela grande - até demais - de mim.
É pra dar vazão a essa enxurrada de ideias que me permeia a cabeça que eu escrevo. Mas criatividade tem mais de um sentido. Nem tudo que eu escrevo é real. A ficção faz parte da textura de qualquer conto, qualquer crônica.

Não vou - ao ponto de ser hipócrita - dizer que não sou por vezes instigado ou inspirado pelo que me passa nos dias e noites, mas é ingenuidade demais ou malícia demais, vejam só, achar que aquilo que ponho em letras é um jornal a ser publicado sobre minha vida.

A estes que se debruçam em especulações, deixo meus pêsames. Pois se forem ingênuos hão de sofrer daquilo que os humanos têm de pior e se não forem, hão de ser o que os humanos são de pior.

E é só.

domingo, 20 de abril de 2014

(Dis)solução

Preciso dissolver. Me dissolver. Resolver todos estes maus entendidos. Tudo aquilo que entendo por mau e - ai de mim - indissolúvel.

Indissociáveis, meu corpo e minhas paixões internas. Não há como solubilizá-las. Estão impregnadas em cada fibra de miocárdio. Intrínsecas à minha dor.

Preciso de uma solução. Um ponto final para toda e cada questão. Uma vírgula de intermédio.  Um sinal de mais. Para somar, inexata, outra pessoa. Para subtrair um interposto de seu coração. Sem razão a não ser uma dose extra de egocentrismo. Insuficiente para me manter satisfeito.

sábado, 12 de abril de 2014

Clic.

Foto de Nate Walton em http://papodehomem.com.br/18-bom-dia-nate-walton/

   Repetidamente apertei o botão da câmera, ouvindo o estalar repetir, enquanto as lentes piscavam seus olhos, gravando - estáticos - os primeiros minutos do amanhecer que se espreguiçava sobre a pele dela.

  Sinceramente, "morrer de amor" nunca fez tanto sentido. Ainda que eu me sentisse mais vivo do que em qualquer outro momento dos meus longos e intensos vinte anos. Agora entregue, ela me deixou enxergar verdadeiramente o que havia de mais sensual atrás aqueles orbes dourados que traz no lugar dos olhos. Seus sorrisos e expressões iluminavam cada foto com a lascívia de uma noite parisiense.

  E de falar na cidade luz, acho uma metáfora. Aqui, junto dela, foi como se estivesse subindo a Eiffel, chegando mais e mais perto do céu.
  
  Cá entre nós, a campainha de São Pedro definitivamente tem o som de uma câmera fotográfica. E eu continuo pedindo para entrar.

  Clic.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Sinceramente.

   Não é uma carta, mas é quase. Ignorando o fato de estar aqui colada no parapeito do meu coração, tipo um outdoor, contém toda a sinceridade que cabe na ponta dos meus dedos. E há tantos medos nessas vírgulas que na medida do possível te peço para não ignorar.
   A tempestade que veio realmente era da cor dos teus olhos. Castanhos. E agora não sei mais para onde olhar. Seu furacão bagunçou tudo aqui dentro como um ataque marciano. Acendeu um destes fogos que ardem sem se ver. Abriu uma ferida que dói.

   Uma ferida que eu sinto e não tem beijo que sare além do seu.

Sobre insônia e risco

    Não, eu não consigo dormir. Tal qual aquela noite, mas desta vez mais distante. Aqui no escuro eu me predisponho a arriscar nem que seja pra reviver uma lembrança ou mergulhar numa esperança sem sentido. Mas na verdade estou aqui sentindo cada molécula agitar por você, gritar por você, ruir sem você. E dói. Como a sede implacável do vampiro que, insanável, consome pouco a pouco a sanidade. E dane-se a diferença de idade! Peço licença para entrar na sua vida, se me aceitar. E se não, peço perdão, pois estou entrando ainda assim.

sábado, 22 de março de 2014

E arder.

   Ao lado dela me sinto um menino. E um homem.

   Sinto vontade de lhe arrancar as roupas e beijar seus pés, suas mãos e cada centímetro de sua pele. Acalentar seus olhos e pedir que ela me fale das coisas que eu não sei. Deixar que ela acaricie meus cabelos enquanto deito meu rosto em seu colo e a ouço respirar e suspirar meu nome. Devorar seus olhos com os meus enquanto cochicho uma canção qualquer.
   Ou erguê-la contra uma parede como a mulher que ela é, tentando sua boca. Morder seus lábios com a extremidade pontiaguda dos meus caninos e percorrer suas curvas com uma língua matreira. Sentir seu sangue pulsar no pescoço como Conde Drácula o faria à Mina Harker.
    Me submeter a todos os seus caprichos e me deixar levar. E me perder.
    Submetê-la ao meu desejo e a sentir acender. E arder.
   

Libido

Pulsão vital.

A vida tem cheiro de tinta.
Tinta vermelha,
Sangue azul.
Como se estivéssemos resgatando
Nossa realeza
Em noites insones
Madrugadas das mais vívidas
E desregradas

Como se só agora tomássemos caneta
E papel
Para escrever e rabiscar e rasurar
Nossa história
Ora uma crônica, ora um romance
Contos concisos
Baladas transgressoras
Em todos os sentidos

Descaracterizando meu caráter
Sinto-me malévolo
E eu gosto
Como se faltar com a palavra
E com a honra
Tornasse mais perigosamente divertidos
Nossos pecados.
Enquanto nos contemos sem querer
E deixamos vir à flor da pele
Nossa libido.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Insensatez


Reconheci uma menina
Como quem vê a primeira primavera.
Mais real, mais vívida e humana,
Que linda mulher ela era

De dia ela tem girassóis nos olhos
Quando anoitece, tem estrelas.
Brilhou para mim durante a madrugada
E agora a desejo por inteira.

A canção de seus lábios me chama
Ainda que seja de certa forma proibida,
Sou daqueles insensatos quando ama
E dessa tentação não vejo saída.

terça-feira, 18 de março de 2014

A Outra


   Deixei-a de pernas bambas. Literalmente falando. As luzes piscavam e, enquanto as batidas do meu coração distavam ligeiramente da frenética batida da música, eu a assistia fazer suas últimas caras e bocas. Que delicioso retrato.

    Sorri de canto e me afastei, voltando à dança enquanto ela apertava as coxas com os lábios comprimidos. A vibração do energético pulsava no meu sangue e eu ansiava por mais, enquanto ela ofegava, tentando se recuperar. Fechei os olhos, sentindo a insensatez se mesclar ao meu desejo. Reabri as pálpebras, olhando em volta. E lá estava ela. A outra.

       Proibida. Intocada. Perfeita. E eu sabia que ela me desejava tanto quanto eu a ela. Já vira em seus olhos. Mas não era o bastante.

         Eu a chamei e ela veio. Veio rebolando, veio entregue, insensata, instintiva. Me confessou o que eu já sabia, mais com o corpo que com os lábios. E que corpo ela tem.

        Num reflexo de consciência, a pedi que me negasse tudo. Impossível. Ela não conseguiria - tal como eu - suprimir por completo aquela luxúria.

        Lascivos como espíritos de fogo, deixamos que a escuridão escutasse as confidências trocadas por nossa pele. Que escondesse nossos pecados. Que a madrugada confortasse o suplício do nosso desejo.

     Assim torturados por nossos instintos, dançamos e deixamos a noite acabar.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Fascínio

Ó destino, agente malicioso
Que, impiedoso, me assiste lutar.
Me livraste dos meus olhos de menino
Impondo-me o fascínio de saber como amar.

Esta eterna sangria de amor, porém
Me escupiu como a ninguém, o maior dos amantes.
Sedento como me tornei, sou cada miligrama de desejo,
Faminto por cada beijo e por todas as noites restantes.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Encanto

   Ela me pegou de jeito.

   Tudo bem, eu baixei a guarda porque quis e já sabia que ela estava me encantando. Estava encantando o lado poético, o lado romântico e fui me deixando levar. Fui cedendo e sacando que ela já me tinha nas mãos. E talvez ela estivesse nas minhas.

   Bastou a canção certa tocar. O "agora não" se tornou um beijo e aí já era. Nós já sabíamos que aconteceria. Bastou a luz da sala apagar. O beijo no lábio virou um ofegar no pescoço. A vida virou do avesso, ou talvez ela tenha me virado do avesso. Ou vice-versa.

   A intensidade - ou densidade - das memórias foram para mim algo como uma droga. Maldita, encheu minha cabeça com seus sorrisos, meio sorrisos, gemidos e tudo o mais que me pôs arrítmico, taquicárdico, apaixonado. E ai dela se der corda. Este relógio aqui tende a fazer as vezes de cronômetro, regressivamente contando o tempo para a explosão. Ai dela se der corda, que me enlaço, me perco, me apeteço... por qualquer pedaço de seus lábios. 

    E que lábios. E que boca. E que mulher.
                                 Eu quero essa mulher.

   Não obstante os pontos sem nós, a qualquer momento que estejamos a sós, entrego-me outra vez.
                  Não é o bastante essas pontas soltas, já não haverá outras, pois ela me encantou de vez.

terça-feira, 11 de março de 2014

Baião, Prosa e Verso III


   O galo cantou antes mesmo que o sol se pusesse pra fora da toca vermelha em que ele vive. O senhor levantou. A terra ainda escura, o chão ainda frio, aquele sereno de madrugada dando adeus com o orvalho na grama. Pisou fora da cama. Banho de cuia com água gelada na bacia. Pôs a roupa e saiu pro campo. Sua carroça já cheia de milho. Sorriu de orelha a orelha. A colheita tinha sido boa "que só a peste".

   Trouxe o cavalo, atou na carroça. Subiu naquele desconjuntado conjunto de madeira pregada, sentindo-se um rei.. "Rei do milho, piada boa". Esse São João ia ser dos bons. Já tinha lapa e mais lapa de pau velho, pau seco e pedaço de armário amarrado bem juntinho na porta de casa. A fogueira ia ser das grandes.

   - Aarre! - um golpe de chibata e o cavalo já estava a passo rápido.

   Estrada de terra. Passa pasto, passa vaca, passa boi, passa moleque. Estrada de barro. Passa cerca, passa placa, passa bicicleta. Estrada. Alguma federal que esquecera o nome. Estrada de asfalto. Passa carro, passa moto, passa ônibus.

   A carroça balançando meio torta, fazendo aquele chiado já conhecido e então "vruuum!", passa um monstro de metal rugindo como touro de rodeio. Deixara todas as casas conhecidas pra trás. Um edifício grande lhe cumprimentou com seu olhar pesado de concreto acinzentado.

  Entrou na cidade. Luzes, semáforos, cores, faixas. Pessoas falando sozinhas. Pessoas acompanhadas e sozinhas. Letreiros, rodas, metal, metal, metal. Chegou no mercado. Ilha de normalidade naquela correria iluminada.

   Barraca de fruta. Banana a quatro reais a dúzia. Barraca de erva. Oito cabeças de alho pelo preço de quatro. Pesos de ferro, balanças de dois pratos, macaxeira. Encostou a carroça perto da barraca fechada e puxou o banco. Era o rei do milho.

   Anoiteceu. Quase todas as espigas tinham-se ido embora. Meteu o chapéu na cabeça, as notas no bolso da camisa suada e voltou pra carroça. Ali a noite era "que nem" dia. O rei do milho não gostava daquilo. Deus tinha feito o dia pra ser dia, pra isso tinha sol. A noite era pra ser noite, era pra ser escura, pra descansar e deixar a terra dormir. Ia-se embora daquele arerê barulhento.

  Já estava saindo quando viu a primeira fogueira . São João era São João, fosse onde fosse. E nessa noite dava seu passe. São João era uma noite pra ser dia. E as fogueiras já estavam acesas.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Sobre Ônibus Perdidos, Sofás e Bebidas às Oito da Noite

   Estendi a mão e sorri de canto, com o sarcasmo borbulhando pelo canto dos olhos. O motorista me olhou nos olhos e passou direto, talvez pela vontade de descontar em mim sua dose de frustração.

   "Ok. O próximo demorará demais, vou caminhando." pensei, já pondo um pé na frente do outro. "Vai levar uma vida... Haja amor."

* * *

   Esquinas espreitaram, escondendo-se atrás de árvores nas praças. Um ciclista passou de bicicleta, dois carros, um ônibus, outro ônibus. Nem virei para olhá-los.

  Passava diante do supermercado quando o letreiro acendeu. As pessoas começavam a se recolher, deixando as ruas mais e mais vazias.

   Acenderam também os postes. Me aproximava, finalmente. Parei diante do portão, recuperando o fôlego. Toquei a campainha. Não demorou muito. Lancei um último olhar para trás.

   Acenderam as estrelas. Mas apagaram-se as luzes. Glória.

   Oficialmente noite.

* * *

   Eu não imaginava que logo ela me serviria - ou melhor, nos serviria - copos de bebida. Não inquiri, apesar de curioso. Sentamos lado a lado sem almofadas, a conversar baixo, talvez pela falta de luz. Mas as pupilas dilataram - e não só pela falta de luz. Transmutamo-nos ali. Algo um tanto alquímico. Olhos de ver através. Dedos de sentir calor. Abraços de sentir perfume. E carinho. E mais.

  Gosto do tempero do álcool, reconduzindo instintos. Não é como se nos reprogramasse. E mesmo que tenha de ficar guardado no fim de semana, vale a pena. Mas há de ter um cheque mate, há de ter uma reprise. Porque a vontade fica e tem mais, é atração. E é química. E é foda.

* * *

   A silhueta dela sobre mim, os lábios entreabertos, os corpos entrelaçados, os olhos - entretanto - completamente fechados. Perdidos entre gemidos. Pulsando por tensão. Mas a noite tinha de passar, apesar de todo o desejo.

   Acenderam-se as luzes. Ficaram as marcas. Ficaram os perfumes. Ficaram as memórias.

   
* * *

   O sofá ainda está nos esperando.
   
      E nós voltaremos.
   

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A Prática do Zen


   "Vai começar a viadagem.", foi a primeira coisa que pensei. Sem quaisquer relações diretas ou indiretas com predileções ou orientações sexuais. É só que aqui no nordeste isso é uma expressão para estupidez, idiotice, falta de compromisso, frescura e quaisquer outras situações interpessoalmente desagradáveis e desconfortáveis para as quais uma dúzia de conceitos não são suficientes para expressar a frustração.

   Ela abriu a boca e cada palavra me desceu como um sapo, uma gia, uma rã verde escura e gosmenta pela garganta. Aquela sensação de ouvir sermão de professora de sexta série que finge não ver quando o filho te acerta com bolinhas de papel.

   Respirei fundo. Contei do um ao dez e de volta. Três, dois, um. Tentando convencer mentalmente o Universo de que minha contagem regressiva terminava com a implosão daquela desprezível criatura sentada à minha frente.

   Não funcionou.

   Balancei a cabeça afirmativamente quando ela parou para tomar fôlego. Também não funcionou. ela voltou a falar, embora eu só ouvisse um interminável coaxar inconsistente e incompreensível.

   "Isso tem que acabar uma hora", refleti, observando os lábios flácidos praticarem uma espécie de polichinelo subaquático enquanto formavam palavras complicadas, pontuadas de abreviaturas e frases de Augusto Cury ou chamarizes de líder escoteiro.

   Me repreendi por fazer uma cara de tédio. Bom que ela não chegou a perceber. Voltei a divagar sobre outro conto que estava escrevendo, enquanto minha rádio mental tratava de sintonizar numa música animada de rock clássico, talvez na tentativa de amenizar meu crescente instinto suicida/homicida com quê de Duas Caras.

    - Hummm. - Murmurei, sem prestar nenhuma atenção à interlocutora.

    "Eu devo ser o novo Buda. Talvez deva mudar meu nome para Gandhi ou algo assim.", pensei, me aprumando na cadeira.

    Uma gota de saliva acertou meu rosto como um míssil balístico lançado por aquela boca nojenta e contorci o rosto com desgosto.

   "Espero que o Nirvana valha a pena."

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Brazuca

 

Entrou na grande área. Bola no pé. O coração batendo junto com o pomo de Adão como um bloco de carnaval. Olho no olho do goleiro, dois zagueiros se chegando para cortar o ataque.

   Entrou no camburão, empurrado com violência. Canhão na cabeça. O coração caído no fundo do corpo junto do estômago, como animais encolhidos. Olho no chão, as lágrimas descendo pela face.

   Driblou o primeiro zagueiro, tirando um urro indignado do outro garoto. Nem tropeçou quando o segundo garoto tentou dar-lhe um carrinho. Tão perto, tão perto. O goleiro retesou os músculos, preparando-se para defender aquele portão branco.

   Esquivou das latas de lixo, ouvindo os sussurros dos homens atrás de si. Tropeçou nos paralelepípedos ao ser empurrado contra a parede. Tão perto, tão perto. O homem ergueu a arma, preparando-se para dar o tiro. 

   - A multidão se levanta, a tensão é grande! - A voz do narrador se ergueu junto com os torcedores do estádio. - Ele driblou os zagueiros, só resta o goleiro.

   - Te ajoelha, moleque. Tas fudido. - A voz do carrasco lhe acertou junto da coronha, jogando-o no chão. - Chora não, viado. Morre que nem homem!

   Parou subitamente. O goleiro se atirou, jurando que a bola lhe vinha. Chutou, mandando direto pra rede.

   Engoliu o choro. O executor atirou, jurando que ele era bandido. Morreu, caindo direto pra vala.

  - É gooooooool! - Gritou o narrador no autofalante, sua voz se perdendo na voz da multidão.

  - Vamo embora. - Sussurrou o atirador pro companheiro, sua voz se destacando no silêncio do beco.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Sessão da Tarde

   Chegou em casa já enxugando o suor da testa. Largou a bolsa no canto da sala e sentou no chão com sua sacolinha branca. Levantou novamente alguns minutos depois, tendo tomado coragem para buscar um prato. Voltou a passo pequeno, ligou a tv e sentou novamente, pondo o prato à frente e o controle remoto ao lado.

   "Ninguém merece andar tanto nesse sol." pensou, tirando o conteúdo da sacola. "Ao menos passei na banquinha pra comprar comida."

    Colocou o pastel de frango no prato, junto dos três guardanapos que estavam no saco de papel. Abriu a guarina com certo esforço e após um momento de crise existencial, desistiu de levantar para buscar um copo e resolveu beber na garrafa.

    Apertou três vezes o botão do controle, mudando de canal, aprumando-se para começar o banquete. Um longo gole trouxe o sabor doce e a sensação gelada da guarina tocando a língua e pinicando nas bochechas, descendo como um elixir pela garganta.

   "Aaaahhh!" pensou, com um sorriso infantil no rosto. "Que delicia."

   Deu duas mordidas no pastel antes de voltar os olhos para a televisão. Passava um filme daqueles que você já viu três ou quatro vezes, mas não se recorda quando foi a última. Já deve estar no segundo ou terceiro bloco e logo vai começar outra vez os comerciais, mas você decide assistir ainda assim.

   As vozes dubladas estragariam o filme, não fosse ele tão antigo e com um valor nostálgico tão grande. Com aquele sabor doce de guarina, o salgado temperado, o sol das quatro, a brisa pela janela. Voltara à quarta série. Voltara à infância.

   Um encanto conduzido por um filme repetido na sessão da tarde.

Overdose de Escrita


   Tocou uma vez. E duas. E três. O telefone vibrava sobre a mesa, iluminando o quarto com uma luz fantasmagórica. O garoto estendeu a mão, com os olhos semiabertos, tomou o celular na mão e tentou ver quem o ligava, ofuscado.

   "Duas e cinquenta e quatro da manhã", pensou ele, olhando o visor e deslizando o dedo na tela para atender.

   - Boa noite. - Disse a voz do outro lado da linha. - Desculpa ligar essa hora.

   - São três da manhã. - Falou ele, carrancudo e sonolento.

   - Eu sei que são três da manhã, seu bobo.  Mas sabe que quando eu tenho algo pra te falar, não posso esperar, né?

   - Você podia esperar até amanhã, droga.

   - Não, não. Você sabe que não. Agora levanta.

  - Qual é? Sério?

  - Claro que é sério, alguma vez te liguei a essa hora sem ser sério?

  - Posso dizer ao menos uma dúzia de vezes.

   - Águas passadas. Enfim, levanta-te.

   O garoto se esgueirou da cama como quem sai nu ao frio, amaldiçoando-a mentalmente. Cambaleou até perto da porta, fechou os olhos e acendeu a luz. Aparentemente o sol havia chegado mais cedo, na forma de uma lâmpada fluorescente de 440W e invadiu o quarto, rajando tudo de branco.

   - Eu te odeio. - Ele resmungou.

  - Não, você me ama.

   - Tá. Eu te amo... Mas te odeio tanto quanto.

   - Não importa. Está acordado?

   - Agora estou. E maldita é você, com certeza não conseguirei mais dormir.

  - Esse é o objetivo. Agora comece a escrever. - Satisfeita, a consciência do garoto desligou o telefone, deixando que outra parcela de sua mente entrasse em convulsão.

   Sentou na escrivaninha, tirou o caderno da gaveta inferior, escolheu uma caneta preta entre as quatro que estavam misturadas à bagunça de fios na gaveta superior e começou a escrever. E começou.

   A madrugada se arrastou e o sol já se esgueirava sobre a linha do horizonte. O garoto sangrou tinta por horas e horas e horas. A criatividade noturna jorrou até nada restar. Matou ideias, matou o sono, matou o tempo. Por fim caiu inconsciente sobre seu monstro Frankestein. Um texto de nove páginas e três quartos. Havia falecido um escritor. Ou melhor. Um escritor havia se matado ali naquela escrivaninha, para que uma história nascesse.
Afinal todos nós deixamos um pedaço fugir de nós em cada linha escrita.

   No jornal da tarde, a notícia abalava o meio poético. 

   "Morre mais uma vez o morador da casa nº345 da rua Dr. Paulo Neto... Outra vez a causa da morte é exaustão e overdose de escrita. Acredita-se que o escritor tenha cometido suicídio literário ao parir mais uma história. Parentes estão chocados e conhecidos parecem felizes ao frequentar o funeral do falecido no endereço naoapaguealuz.blogspot.com, junto do próprio escritor e de sua história recém nascida, com oito parágrafos e catorze linhas de diálogo."



A Última Dança


   Tocava uma daquelas músicas de baile. Aquelas que você nunca vai se lembrar no dia seguinte, mas que te faz sentir como se o mundo todo estivesse desabando e só restasse os dois, dançando sem saber direito, passinho, passinho, passinho. Devagar. Uma dança quase tímida. A dança da noite.

   Uma luz violeta dançava junto com um feixe de luz branca sobre eles, quase como se tentasse dizer que eles não eram os únicos naquele mundo de vidro que a qualquer momento ia rachar, com o DJ baixando o volume e baixando e baixando...

   As luzes foram se fundindo, tornando-se uma tênue iluminação azul, quase podiam sentir o calor do azul, enquanto os últimos jatos de gelo seco subiram como uma cortina. A escuridão foi se assentando. A luz diminuindo. A névoa dissipando.

   - E agora, acabou?

   - Sim. Hoje é minha última noite aqui. Meu avião parte amanhã pela manhã.

   - É só isso?

   - É tudo isso.

   A música parou. Continuaram dançando ao som do silêncio.

   - Você me escreverá?

   - Escreverei você, de você, para você. Até quando houver outro garoto que te leve pra dançar. Até que haja um garoto que te traga as flores que esqueci sobre o armário. E que ele esteja com você por tanto tempo e com tal intensidade, que você esqueça de me ler.

   - Mas..

   - Você sabe que isso vai acontecer. Não amanhã, nem semana que vem. Mas um dia. - Ela assentiu.

   - Uma última dança então?

  - Essa foi a última.

   Pararam de dançar. A música realmente havia parado. As pessoas saíam do salão. O DJ começava a desmontar o equipamento.

   - É adeus?

   - ...

   Abraçaram-se.

   - A escrita é meu maior vício e a maior parte de mim.

   - Hã?

   - Mesmo quando eu já tiver te esquecido, ela vai lembrar de você e eu vou recordar.

 
A Escrita é a droga mais forte que pode um dia envolver.

Salada Mista


   - Você está me embebedando. - Disse ela.

   - Eu não estou te dando bebida, foi você que encheu ambos os copos nas últimas três vezes. - Respondeu ele.

   - Mas esses drinks são muito bons... - Riu ela - Do que são?

   - Não percebeu? É uma piada... Você nunca entende minhas piadas. - Disse ele, franzindo o rosto, antes de dar uma gargalhada. - Desperdiço minhas melhores piadas assim.

   - Pára! Diz logo!

   - Pêra. - Ele apontou para a primeira jarra. - Uva.

   - Mas vai ficar faltando uma...

    - Maçã. - Ele apontou para a terceira e última jarra.

   - Sim... Acabou.

    - Salada mista. - Disse ele com um sorriso, levantando a mão lentamente e colocando o dedo indicador sobre o lábio inferior.

   Ela corou instantaneamente. O sangue subiu ao rosto junto com o álcool do sangue e ela ficou vermelha num segundo. Não que ela não o quisesse, mas esse tipo de coisa que ele falava... Era muito imprevisível. Ela riu baixo, terminando o copo, enquanto ele levantava para dar a volta na mesa.
    
    - Nunca brinquei de salada mista. - Confessou ela, enquanto ele se curvava. 

    - Eu te ensino. - Disse ele, pegando sua mão. - Pêra...

    Ele a levantou da cadeira, puxando-a pela mão e encostando-a contra si devagar. Que calor era aquele que tomava o corpo dela? O álcool devia ter algum dedo nisso.

    - Uva. - Continuou ele, escorregando as mãos por suas costas e segurando seu cabelo. Curvou sua face para o lado, tocando os lábios em sua bochecha. - Maçã.
    O coração dela disparou, já nem conseguia respirar. Piscava os olhos rapidamente, enquanto sentia o sangue pulsando nos ouvidos, na garganta, na língua... Em cada pedaço de pele que se encontrava com o corpo dele. Quando ele guiou o rosto dela de volta, já havia fechado os olhos.

   - Salada mista... - Sussurrou ele contra seus lábios.