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terça-feira, 2 de junho de 2015

Vencimento

   Paga-se a produção de memórias com datas, como se lhes fosse um esforço a existência, uma conquista sob pressão, da qual é necessária comemoração por atingir uma longevidade inesperada. Conta-se os dias até que se tornem meses, pois cada amanhecer é uma vitória; depois os dias tornam-se sem importância, contam-se os meses, pois a durabilidade procura outra medida; depois os meses são apenas meses, contam-se os anos, aniversariando a resistência como se fosse um milagre que resistisse ao tempo.

   Discordo destes termos.

   Colho os dias, vivendo-os um após o outro, incomodado e simultaneamente em paz com a certeza da finitude. Minha, de quem eu amo, do meu sentimento mais profundo, da Terra, do Universo... Tudo um dia há de perecer.

   A certeza deste fim me leva a aproveitar cada dia como o último, ou fazê-lo tanto quanto é possível para a minha nem tão hábil memória. Agraciar meus pais com presença e afeto, mesmo não sendo "seu dia"; abraçar os amigos apenas por serem amigos, não pela constatação de uma data para o abraço ou para o amigo; amar por ter amor a dar, não porque alguém disse que aquele dia é feito para exibi-lo.

   Sou contra o vencimento estipulado da vivência, contra o pagamento ansioso pela longevidade das coisas do coração. Que elas sejam naturais, estendendo-se dia após dia e sendo aí louvadas, que lhes sejam prestadas glórias pela mudança que fizeram, não por sua oficialidade e duração. Porque dar-lhes valor por sua duração é ato falho, tirando do amor o brilho de sua finitude.

   Nenhum amor é pra sempre. E o que há hoje, amanhã perece. E é no fim de um amor que deve nascer outro. E falo mesmo de outro amor pela mesma pessoa.

   Como uma fênix, o amor deve morrer e renascer das cinzas mil vezes no período de uma vida, para que dure até o fim, brilhando sempre com a luz de uma chama recém acesa.

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