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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

70%

   Eu estou no seu mundo, mas você não está no meu. E isso faz muita diferença.

   Conheço seus amigos, frequento seu bares, como em sua mesa. Vou ao casamento da sua irmã, fumo meu cigarro em sua varanda, depois de sair do trabalho e almoçar na sua casa. Vou ao supermercado do seu bairro e faço as compras para encher seus armários, assisto o jogo na sua televisão, sentado em seu sofá. Após horas a fio, anoitece e chove: durmo em sua cama.
  Você é um mito para os meus amigos, uma foto na mesa do escritório, uma memória de uma tarde longínqua. É o livro de presente na minha estante, a assinatura no meu caderno. Você não sabe onde guardo a chave do apartamento, porque nunca veio me visitar. Não sabe a dose certa de uísque para colocar no meu copo, porque nunca virou a madrugada bebendo comigo, discutindo por que as estrelas brilham e as folhas caem no outono. Você não sabe qual é o lugar certo para apertar, porque suas mãos não conhecem minha pele.
   Sei de cor a posição da sua mobília, mas você desconhece a cor da parede do meu quarto. Acho as frutas na gaveta de baixo da sua geladeira, mas você não faz ideia do que tem nas prateleiras de cima da minha. Você acorda sem mim e veste minha roupa, mas de você tenho só a memória nas noites mais frias.
   Resta-me romancear e aceitar este mundo que você desconhece. Num passeio solitário buscar inspiração para as crônicas cuja história é mais meio a meio, que eu domino a verdade e harmonizo nossos universos em expansão.

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