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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Carta aos genitores

  Pensei que isso nunca fosse acontecer, mas aconteceu. Achei por um longo tempo - talvez ingenuamente - que vocês estivessem intangíveis a isto, mas parece que eu estava errado. Tudo bem, eu entendo.

  É triste, mas vocês já não estão mais na ponta dos pêlos do coelho. Não acomodaram-se no couro quentinho ainda, mas é fato que já se voltaram para baixo, deixando de vislumbrar a vastidão da cartola do mágico. Logo completarão a descida, alcançando a comodidade que passaram a procurar.

  Por muito tempo não quis perceber e, tendo percebido, levei outro longo hiato para aceitar, mas já não posso evitar confrontar a verdade. Vocês cresceram. Não por fora, não... Isso já havia acontecido, afinal já eram pais àquela época. Vocês cresceram por dentro. Mas não se preocupem, a Terra do Nunca se lembrará de vocês, ainda que suas recordações dela se tornem cada vez mais vagas e desapareçam por completo finalmente. A Terra do Nunca se recordará de vocês, dois dos mais bravos entre nós, pois vocês deixaram um poderoso legado. Nós somos o seu legado. E eu prometo solenemente resguardá-lo comigo até quando puder (e além), mesmo que precise eu mesmo transmiti-lo definitivamente para a próxima geração.

  Agora vocês possuem preocupações maiores e dedicam todo o seu esforço ao trabalho, seu mundo gira em volta dos papéis coloridos, mesmo que seja por um bem maior. Vocês "acordaram para o mundo". Porém não foi assim que aqueles dois jovens me criaram e eu prometi a mim e a eles que essa herança não morreria comigo. Eu cumprirei minha promessa, ainda que vocês esqueçam dela e insistam que eu crie mais raízes ao invés de mais folhas. Não temam! Eu resistirei até minha última pitada de pirlimpimpim.

Vocês são adultos agora e irão fazer casinhas na base aconchegante do pêlo do coelho, trabalharão duro e estreitarão a visão para uma única área, para que esta casa seja grande, tenha garagem e piscina... Enquanto isso, receio ter de afirmar que talvez eu ainda não tenha certeza do que quero e que talvez eu ainda abandone este barco, voe por sobre os jacarés, dance com as sereias e vá para um lado totalmente diferente... Talvez publicar meus livros (perdoo por ter tentado me desanimar, pois sei que você foi o guardião do limiar que eu precisava superar para escrever meu primeiro romance), ou mergulhar no mundo da ciência - que eu amo - e procurar me tornar uma das grandes mentes deste século.

  Não sei bem... Mas este não saber me torna aberto a todas as possibilidades! "Eu não sei para onde estou indo, só sei que estou no meu caminho". Esse não saber me mostra que, mesmo crescido como sou, meu dimon ainda muda de forma, o que já não acontece mais com os seus... Junto com meu dimon, muda minha sombra - que ainda tem a mania de voar sozinha por aí... Mas vocês logo deixarão de saber o que é isso...

  Essa é uma despedida triste, solene e muito provavelmente definitiva, mas não chorem! Nós os amamos. Eu os amo, mesmo sendo adultos. Repito com orgulho: a Terra do Nunca não esquecerá de vocês! Não enquanto eu puder voar.

  Cresçam em paz, pois vocês treinaram bem seus sucessores. Continuaremos alertas aqui, em Nárnia, na Alagaësia, em Hogwarts, na Terramédia, nas pontas dos pêlos do coelho branco.

Sé onr svendar sitja hvass!

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